Entrevista com DJ Memê :
O premiado Memê é uma lenda viva da música eletrônica brasileira. Pouquíssimos artistas da dance music tupiniquim desfrutam de tanto prestígio e reconhecimento internacional quanto o DJ e produtor carioca. Franco e extremamente centrado, o artista conversou de forma exclusiva com a Electro M.A.G. e escancarou suas opiniões mais diversas nas Yellow Pages da revista. Aproveite!
Como é a sua rotina diária fora das cabines?
Diamond life! Não posso reclamar da vida. Acordo entre 11hs e 13hs e, quando a minha "assessora especial de fogão e lavanderia" está presente, já digo logo o que quero comer e como quero. Normalmente, um peixe ou carne vermelha com salada, mas há o dia do arroz de bacalhau que também me deixa muito feliz. Depois do almoço (às vezes antes), sento na minha escrivaninha e começo o "trabalho" de computador, que pode ser networking, "zilhares" de e-mails que chegam com coisas pra decidir, respostas para dar, ideias para aprovar e sempre música nova chegando de todos os lados. Preciso dar atenção aos internacionais, que normalmente estão horas à frente da gente, senão vira dia seguinte. Acabo isso tudo lá pelas 7 da noite. Aí, penso na academia porque ainda dá tempo e... evito!!! Depois de arrumar desculpa para não malhar, me mando para o meu estúdio. Se tenho o que fazer, faço. Se não tenho, invento algo, pois a prática leva à perfeição. Pra completar, nunca durmo antes das 6 da manhã, pois não tem graça nenhuma. E já está no meu DNA, desde os 15 anos de idade.
Como você faz para aproveitar a família e os amigos?
Estou num momento muito curioso e sem precedentes na minha vida, que me veio por acaso, mas segui por intuição. Como todo bom pisciano, percebi recentemente que uma relação amorosa pode tomar uma grande porção do seu tempo (e também de espaço em sua mente). Quando essa fi cha caiu, decidi não permitir gente nova em minha vida, mas sim cuidar das relações que já tenho. Todas as semanas promovo alguma coisa entre amigos ou familiares, que pode ser um café no fim da tarde, ou mesmo um almoço ou jantar, ou até um cineminha na minha casa. Notei que isso vicia e contagia os outros também. Acabo sendo convidado sempre pra outras coisas. É um ciclo mega saudável que se forma somente entre você e os que você gosta. Se você investir, não tem fim. Não é lindo? Além do mais, percebi que fiquei muito mais produtivo em estúdio. Fiz quatro faixas em um mês. Ando tendo repentes de felicidade!
Suas produções venderam quase 10 milhões de discos, sem contar a distribuição digital e gratuita. Tem ideia da dimensão que o seu trabalho já alcançou?
Claro que tenho. Música é uma linguagem universal e, acertando o alvo, acaba por levar você junto. Estou nisso desde os 11 anos de idade e nunca fiz outra coisa. Seria burrice não notar quantas pessoas já alegrei com minha música e o resultado que ela trouxe em minha vida, em termos materiais e até espirituais. Através dela, realizei todos os sonhos que tive. TODOS! Viver realizado torna sua vida muito mais fácil e menos ansiosa, e eu adoro essa posição. No lado profissional, tenho absoluta consciência do número de artistas brasileiros e internacionais que já se benefi ciaram do meu know-how, quantos clubs venderam ticket com os meus sets, quantas pessoas aprenderam sobre música com meus programas de rádio, quantas gerações de DJs apareceram por causa disso também e quanta gente já ajudei com meu prestígio (e continuo ajudando). Eu estaria sento ridículo dizendo que faço somente por amor, então não vou contar essa "história da carochinha" pra vocês, pois dinheiro me encanta também (e MUITO). Mas a diferença é que a raiz do meu trabalho é fincada nesse amor que tenho pela música e, por ter segurança disso, resolvi desde cedo ser fi el somente ao que eu acredito. Acredito piamente que a formula está aí. Para mim, pelo menos, funcionou.
No início deste ano o ECAD incluiu as "Casas de Diversão" como segmento para arrecadação de Direitos Autorais. Qual a sua opinião sobre essa norma?
Yeah, yeah, yeah... Muito bonzinhos esses "ECADs". Eles abriram foi uma bela e "nova" fonte de renda para seu próprio bolso. Pense bem: se estamos declaradamente fazendo dinheiro com nossa cena, essa será a fatia em que eles poderão botar as mãos e tirar um "chocolate" pra eles também. Imagina! Já tive problemas sérios com o ECAD e, se eu não estivesse de olho, teria dançado. Vou deixar no ar, pois senão posso sofrer retaliação em minha própria conta bancária. Quem sabe, sabe! Mas, ao mesmo tempo, também abriram a porta para que nós possamos fiscalizar, pois se agora temos direitos, podemos ficar de olho oficialmente. E temos pra onde correr se der alguma merda... Eu disse "merda"?
A tragédia na Kiss, de Santa Maria, despertou a atenção do país para a segurança das casas noturnas. Como você avalia o nível dos clubs brasileiros nesse sentido?
Olha, não é novidade alguma que estamos engatinhando na construção de uma cena sólida no Brasil. Para isso, muita coisa deve mudar e essa é a hora. Temos o mundo inteiro olhando para nós, então apoio técnico não faltaria. O que falta aqui é vergonha na cara e preocupação com o próximo. Lógico que há clubes mais visados que andam na linha o tempo todo, mas a maioria segue a cartilha brasileira de tornar tudo mais fácil para si (e cada um que se vire). Tem que multar, sim. Tem que fechar, sim. Mas, antes de tudo isso, essa fiscalização precisa parar de pensar somente na propina e começar a fazer um trabalho sério, lembrando que vidas dependem disso. No dia em que o filho de um fiscal morrer num incidente desses, tenho certeza de que vão pensar duas vezes.
Muita gente que movimenta a e-music nacional ainda lida com o mercado de maneira amadora. Isso te incomoda?
Muito, claro! Cara, nós não inventamos essa cena, nós a pegamos emprestada. A linguagem musical de pista não nasceu aqui. Nosso país, ao contrário da França, EUA, Inglaterra, Itália, Alemanha e até Suécia, nunca deu uma gota sequer de contribuição para isso, e muito menos para o que chamamos de "cena". Pense bem: nós ainda estamos importando know-how, sem contribuir com ideia nenhuma. Vai desmentir? Da mesma forma que a lei do "menor esforço e menor gasto" faz vacilar na segurança dentro dos clubs, o know-how que importamos só visa o lucro. O Brasil quer sempre saber do resultado final, mas de forma alguma quer ler o manual que já está escrito há muito tempo com a experiência internacional. Aliás, brasileiro não gosta de ler manual, de fazer curso ou se especializar. Adora dizer que é "autodidata", tendo aprendido na marra, "ralando" e fazendo disso um falso orgulho. Balela! Esse é um defeito que precisamos curar para solidificar qualquer situação ou nos manteremos amadores achando que um lindo país, com meninas gostosas, praias belas e havaianas nos bastam! É preciso saber com quantos paus se faz uma canoa, pois errando na conta, ela afunda rápido.
A música já chegou a te estressar?
Minha nossa, jamais! Ela me diz quem eu sou. A música está comigo desde sempre. Me dá equilíbrio e centro. Sei que parece romântico demais, mas certamente está em meu DNA.
Você já trabalhou com grandes artistas nacionais e internacionais. Qual deles mais te impressionou?
Certamente, Lulu Santos foi o mais impressionante, junto (é claro) com Roberto Carlos. Lulu sabe o que quer e o que não quer. É generoso com quem trabalha com ele, abrindo espaço para o outro. É um excelente músico e arranjador que não se incomoda em dividir seu vasto know-how. Além de tudo isso, é um ser humano interessantíssimo de tão complexo. Só um ignorante passa por ali sem levar algo de sua marca e eu admito que muito do que sei em matéria de música e arranjos, aprendi com ele. Roberto é perfeito! O cara inventou o manual da música e sua indústria no Brasil. Praticamente tudo o que vemos hoje, ou ele criou, ou ele já experimentou. Com o salvo-conduto que seu prestígio permite, ele quebra regras, mudando o rumo da indústria e provando que pode estar certo. E eu vi isso. Não é a toa que ambos são chamados de "reis". O rei do pop e o rei da música.
Você teve uma produtiva parceria com o Lulu. Ele é um cara difícil?
O Lulu é complexo e isso pode ser ignorantemente confundido com dificuldade. Não há nada de difícil em trabalhar com ele. Fizemos quatro discos inteiros e posso dizer que faria mais quatro. Agora, ele testa você. Isso ele faz, sim, e não é uma situação que a maioria gosta de vivenciar. Talvez venha daí o termo "difícil" agregado à ele. Eu gosto, pois curto a auto-superação. Além do mais, nesse teste está "escondida" a receita do sucesso dele. É só prestar atenção.
Que honra ter sido o primeiro DJ a tocar no especial do Roberto Carlos, não?
É como se o rei batesse com uma espada em seu ombro e o proclamasse: "Sir Memê". Raros artistas passam por isso, apesar de todos quererem. Eu tenho que me sentir bom no que faço depois dessa, né? Não creio que o rei repita essa ideia, pois não faz parte do seu universo e foi um caso especial. Portanto, posso desde já me considerar o único no mundo... Para sempre!
Acredita em Deus?
Lógico, sou judeu. Fomos nós que o inventamos (risos). Brincadeira! Não quero perder fãs com isso, então vou explicar melhor. Partindo do princípio que ninguém o viu até hoje, acredito nele com uma forma de energia que sai de dentro de nós. Nós somos Deus. Nós é que erramos e acertamos. Se ele existiu, acho que criou o mundo e foi pra Marte, deixando isso aqui pra gente se virar. E não acho que deu muito certo, além da tecnologia. Ele poderia voltar, mas sem o dilúvio. Ou esses meteoros aí...
Dos lugares por onde você já passou, quais foram os mais incríveis?
Austrália e Ásia. Tudo na Ásia, não importa aonde. Tudo ali vale para nós, tão ocidentais, que ao ver um pratinho de curry já achamos puro exotismo. A Europa me encanta também e é onde eu poderia viver se não morasse aqui. Mas a Ásia é foda!
Você é disciplinado profissionalmente?
Sou um general talhado para ganhar a guerra! No estúdio, faço, refaço, testo, reprovo, refaço novamente... Até acertar. Tocando, sou um pouco menos, pois faço isso na intuição e deixo ela me guiar. Nesse caso, deixo a disciplina de lado.
Acha que um dia vai se cansar de toda essa loucura?
Loucura é trabalhar com o que você não gosta ou acredita, só pra ganhar dinheiro. Para ser mais explícito com a pergunta, não vivo loucura alguma na minha carreira. E, para os que não me conhecem, fico longe das loucuras que ela oferece. Ou quase sempre... (risos)
Como viu a volta de Renan Calheiros à presidência do Senado?
Ué? A história sempre se repete. Ainda estou vivendo a raiva de ver o Collor ali dentro também, então não dá pra odiar tanta gente junta ao mesmo tempo. Eu explodiria!
E a reeleição de Barack Obama?
Dei graças a Deus... Aquele reacionário e preconceituoso do Mitt Romney iria ferrar o mundo de vez. Era guerra certa! O Obama é um bom homem e educado, e isso não tem preço. Os EUA precisam de algum tempo a mais com gente como ele para melhorar sua imagem e ideias, que foram destruídas pelo Bush.
Shakira já te agradeceu por ter sido responsável por produzir o hit que a lançou internacionalmente?
Sou um cavalheiro. Prefiro não comentar sobre isso.
Qual foi a sua reação quando recebeu o convite de Yoko Ono para remixar o sucesso Give Peace A Chance , de John Lennon?
"Jura? Quanto vou ganhar?" Não sou fã do Lennon. Prefiro Paul. Fiz por trabalho e pela exposição que isso poderia me dar. E gosto da mensagem, mas detesto a canção.
Tem ideia de qual foi seu maior público?
Um milhão de pessoas, no réveillon da praia de Copacabana, em 2002.
Quais artistas, fora da música, você admira?
Sou um "foodie". Viajo pelo mundo provando comida por onde passo. Compro temperos, trago de presente e divido informações com quem se interessa. Considero os chefs franceses e espanhóis verdadeiros artistas em suas cozinhas. Um dia ainda vou parar para aprender com eles. As comidas mineira e nordestina também estão incluídas aí. Na pintura, a vanguarda americana da década de 70/80 me agrada bastante, especialmente a criada em Nova York. Keith Harring e Jean-Michel Basquiat são gênios de rua, que foram (graças a Deus) descobertos e revelados ao mundo. É preciso correr o oceano para citar Picasso também. Parece óbvio, mas não é a toa que ele deixou sua marca. Quem tiver oportunidade, há várias salas só dele no MOMA, em Nova York. Não haverá arrependimento. No cinema, são vários: Woody Allen, Spielberg, Scorcese, Tarantino, De Niro, Al Pacino, Kevin Spacey, Helen Mirren, e alguns outros dessa nata prendem a minha atenção. O cinema francês e o cinema italiano têm ganhado meu aplauso também.
Você mora no Rio. Quais lugares da cidade você mais frequenta?
O Rio é lindo, né? Cada dia mais. Não vou à praia e não vou ao Cristo. Nunca subi lá. Sorry... Detesto a Barra e evito ao máximo. O "meu Rio" é andar pela zona sul toda e também sair para comer onde haja um pouco de natureza junto, mas não apenas isso. Gosto e recomendo o restaurante da Chácara Tropical (no Itanhangá), o Aprazível (em Santa Tereza), o japonês Azumi (em Copacabana), o Di Brambini (no Leme) e o meu querido e amado Porcão (em Ipanema), onde me tratam como "sócio-atleta"!
Você concorda com a política pública do Rio de Janeiro para combater o crime organizado no estado?
Não sei qual foi o trato que eles fizeram, mas vai dizer que não melhorou? Agora, só falta organizar.
Tem investimentos fora do mercado musical?
Tenho: milhas da TAM!
O que vai fazer quando se aposentar?
Morrer. Mas acho que a ordem será inversa.
Como é a sua rotina diária fora das cabines?
Diamond life! Não posso reclamar da vida. Acordo entre 11hs e 13hs e, quando a minha "assessora especial de fogão e lavanderia" está presente, já digo logo o que quero comer e como quero. Normalmente, um peixe ou carne vermelha com salada, mas há o dia do arroz de bacalhau que também me deixa muito feliz. Depois do almoço (às vezes antes), sento na minha escrivaninha e começo o "trabalho" de computador, que pode ser networking, "zilhares" de e-mails que chegam com coisas pra decidir, respostas para dar, ideias para aprovar e sempre música nova chegando de todos os lados. Preciso dar atenção aos internacionais, que normalmente estão horas à frente da gente, senão vira dia seguinte. Acabo isso tudo lá pelas 7 da noite. Aí, penso na academia porque ainda dá tempo e... evito!!! Depois de arrumar desculpa para não malhar, me mando para o meu estúdio. Se tenho o que fazer, faço. Se não tenho, invento algo, pois a prática leva à perfeição. Pra completar, nunca durmo antes das 6 da manhã, pois não tem graça nenhuma. E já está no meu DNA, desde os 15 anos de idade.
Como você faz para aproveitar a família e os amigos?
Estou num momento muito curioso e sem precedentes na minha vida, que me veio por acaso, mas segui por intuição. Como todo bom pisciano, percebi recentemente que uma relação amorosa pode tomar uma grande porção do seu tempo (e também de espaço em sua mente). Quando essa fi cha caiu, decidi não permitir gente nova em minha vida, mas sim cuidar das relações que já tenho. Todas as semanas promovo alguma coisa entre amigos ou familiares, que pode ser um café no fim da tarde, ou mesmo um almoço ou jantar, ou até um cineminha na minha casa. Notei que isso vicia e contagia os outros também. Acabo sendo convidado sempre pra outras coisas. É um ciclo mega saudável que se forma somente entre você e os que você gosta. Se você investir, não tem fim. Não é lindo? Além do mais, percebi que fiquei muito mais produtivo em estúdio. Fiz quatro faixas em um mês. Ando tendo repentes de felicidade!
Suas produções venderam quase 10 milhões de discos, sem contar a distribuição digital e gratuita. Tem ideia da dimensão que o seu trabalho já alcançou?
Claro que tenho. Música é uma linguagem universal e, acertando o alvo, acaba por levar você junto. Estou nisso desde os 11 anos de idade e nunca fiz outra coisa. Seria burrice não notar quantas pessoas já alegrei com minha música e o resultado que ela trouxe em minha vida, em termos materiais e até espirituais. Através dela, realizei todos os sonhos que tive. TODOS! Viver realizado torna sua vida muito mais fácil e menos ansiosa, e eu adoro essa posição. No lado profissional, tenho absoluta consciência do número de artistas brasileiros e internacionais que já se benefi ciaram do meu know-how, quantos clubs venderam ticket com os meus sets, quantas pessoas aprenderam sobre música com meus programas de rádio, quantas gerações de DJs apareceram por causa disso também e quanta gente já ajudei com meu prestígio (e continuo ajudando). Eu estaria sento ridículo dizendo que faço somente por amor, então não vou contar essa "história da carochinha" pra vocês, pois dinheiro me encanta também (e MUITO). Mas a diferença é que a raiz do meu trabalho é fincada nesse amor que tenho pela música e, por ter segurança disso, resolvi desde cedo ser fi el somente ao que eu acredito. Acredito piamente que a formula está aí. Para mim, pelo menos, funcionou.
No início deste ano o ECAD incluiu as "Casas de Diversão" como segmento para arrecadação de Direitos Autorais. Qual a sua opinião sobre essa norma?
Yeah, yeah, yeah... Muito bonzinhos esses "ECADs". Eles abriram foi uma bela e "nova" fonte de renda para seu próprio bolso. Pense bem: se estamos declaradamente fazendo dinheiro com nossa cena, essa será a fatia em que eles poderão botar as mãos e tirar um "chocolate" pra eles também. Imagina! Já tive problemas sérios com o ECAD e, se eu não estivesse de olho, teria dançado. Vou deixar no ar, pois senão posso sofrer retaliação em minha própria conta bancária. Quem sabe, sabe! Mas, ao mesmo tempo, também abriram a porta para que nós possamos fiscalizar, pois se agora temos direitos, podemos ficar de olho oficialmente. E temos pra onde correr se der alguma merda... Eu disse "merda"?
A tragédia na Kiss, de Santa Maria, despertou a atenção do país para a segurança das casas noturnas. Como você avalia o nível dos clubs brasileiros nesse sentido?
Olha, não é novidade alguma que estamos engatinhando na construção de uma cena sólida no Brasil. Para isso, muita coisa deve mudar e essa é a hora. Temos o mundo inteiro olhando para nós, então apoio técnico não faltaria. O que falta aqui é vergonha na cara e preocupação com o próximo. Lógico que há clubes mais visados que andam na linha o tempo todo, mas a maioria segue a cartilha brasileira de tornar tudo mais fácil para si (e cada um que se vire). Tem que multar, sim. Tem que fechar, sim. Mas, antes de tudo isso, essa fiscalização precisa parar de pensar somente na propina e começar a fazer um trabalho sério, lembrando que vidas dependem disso. No dia em que o filho de um fiscal morrer num incidente desses, tenho certeza de que vão pensar duas vezes.
Muita gente que movimenta a e-music nacional ainda lida com o mercado de maneira amadora. Isso te incomoda?
Muito, claro! Cara, nós não inventamos essa cena, nós a pegamos emprestada. A linguagem musical de pista não nasceu aqui. Nosso país, ao contrário da França, EUA, Inglaterra, Itália, Alemanha e até Suécia, nunca deu uma gota sequer de contribuição para isso, e muito menos para o que chamamos de "cena". Pense bem: nós ainda estamos importando know-how, sem contribuir com ideia nenhuma. Vai desmentir? Da mesma forma que a lei do "menor esforço e menor gasto" faz vacilar na segurança dentro dos clubs, o know-how que importamos só visa o lucro. O Brasil quer sempre saber do resultado final, mas de forma alguma quer ler o manual que já está escrito há muito tempo com a experiência internacional. Aliás, brasileiro não gosta de ler manual, de fazer curso ou se especializar. Adora dizer que é "autodidata", tendo aprendido na marra, "ralando" e fazendo disso um falso orgulho. Balela! Esse é um defeito que precisamos curar para solidificar qualquer situação ou nos manteremos amadores achando que um lindo país, com meninas gostosas, praias belas e havaianas nos bastam! É preciso saber com quantos paus se faz uma canoa, pois errando na conta, ela afunda rápido.
A música já chegou a te estressar?
Minha nossa, jamais! Ela me diz quem eu sou. A música está comigo desde sempre. Me dá equilíbrio e centro. Sei que parece romântico demais, mas certamente está em meu DNA.
Você já trabalhou com grandes artistas nacionais e internacionais. Qual deles mais te impressionou?
Certamente, Lulu Santos foi o mais impressionante, junto (é claro) com Roberto Carlos. Lulu sabe o que quer e o que não quer. É generoso com quem trabalha com ele, abrindo espaço para o outro. É um excelente músico e arranjador que não se incomoda em dividir seu vasto know-how. Além de tudo isso, é um ser humano interessantíssimo de tão complexo. Só um ignorante passa por ali sem levar algo de sua marca e eu admito que muito do que sei em matéria de música e arranjos, aprendi com ele. Roberto é perfeito! O cara inventou o manual da música e sua indústria no Brasil. Praticamente tudo o que vemos hoje, ou ele criou, ou ele já experimentou. Com o salvo-conduto que seu prestígio permite, ele quebra regras, mudando o rumo da indústria e provando que pode estar certo. E eu vi isso. Não é a toa que ambos são chamados de "reis". O rei do pop e o rei da música.
Você teve uma produtiva parceria com o Lulu. Ele é um cara difícil?
O Lulu é complexo e isso pode ser ignorantemente confundido com dificuldade. Não há nada de difícil em trabalhar com ele. Fizemos quatro discos inteiros e posso dizer que faria mais quatro. Agora, ele testa você. Isso ele faz, sim, e não é uma situação que a maioria gosta de vivenciar. Talvez venha daí o termo "difícil" agregado à ele. Eu gosto, pois curto a auto-superação. Além do mais, nesse teste está "escondida" a receita do sucesso dele. É só prestar atenção.
Que honra ter sido o primeiro DJ a tocar no especial do Roberto Carlos, não?
É como se o rei batesse com uma espada em seu ombro e o proclamasse: "Sir Memê". Raros artistas passam por isso, apesar de todos quererem. Eu tenho que me sentir bom no que faço depois dessa, né? Não creio que o rei repita essa ideia, pois não faz parte do seu universo e foi um caso especial. Portanto, posso desde já me considerar o único no mundo... Para sempre!
Acredita em Deus?
Lógico, sou judeu. Fomos nós que o inventamos (risos). Brincadeira! Não quero perder fãs com isso, então vou explicar melhor. Partindo do princípio que ninguém o viu até hoje, acredito nele com uma forma de energia que sai de dentro de nós. Nós somos Deus. Nós é que erramos e acertamos. Se ele existiu, acho que criou o mundo e foi pra Marte, deixando isso aqui pra gente se virar. E não acho que deu muito certo, além da tecnologia. Ele poderia voltar, mas sem o dilúvio. Ou esses meteoros aí...
Dos lugares por onde você já passou, quais foram os mais incríveis?
Austrália e Ásia. Tudo na Ásia, não importa aonde. Tudo ali vale para nós, tão ocidentais, que ao ver um pratinho de curry já achamos puro exotismo. A Europa me encanta também e é onde eu poderia viver se não morasse aqui. Mas a Ásia é foda!
Você é disciplinado profissionalmente?
Sou um general talhado para ganhar a guerra! No estúdio, faço, refaço, testo, reprovo, refaço novamente... Até acertar. Tocando, sou um pouco menos, pois faço isso na intuição e deixo ela me guiar. Nesse caso, deixo a disciplina de lado.
Acha que um dia vai se cansar de toda essa loucura?
Loucura é trabalhar com o que você não gosta ou acredita, só pra ganhar dinheiro. Para ser mais explícito com a pergunta, não vivo loucura alguma na minha carreira. E, para os que não me conhecem, fico longe das loucuras que ela oferece. Ou quase sempre... (risos)
Como viu a volta de Renan Calheiros à presidência do Senado?
Ué? A história sempre se repete. Ainda estou vivendo a raiva de ver o Collor ali dentro também, então não dá pra odiar tanta gente junta ao mesmo tempo. Eu explodiria!
E a reeleição de Barack Obama?
Dei graças a Deus... Aquele reacionário e preconceituoso do Mitt Romney iria ferrar o mundo de vez. Era guerra certa! O Obama é um bom homem e educado, e isso não tem preço. Os EUA precisam de algum tempo a mais com gente como ele para melhorar sua imagem e ideias, que foram destruídas pelo Bush.
Shakira já te agradeceu por ter sido responsável por produzir o hit que a lançou internacionalmente?
Sou um cavalheiro. Prefiro não comentar sobre isso.
Qual foi a sua reação quando recebeu o convite de Yoko Ono para remixar o sucesso Give Peace A Chance , de John Lennon?
"Jura? Quanto vou ganhar?" Não sou fã do Lennon. Prefiro Paul. Fiz por trabalho e pela exposição que isso poderia me dar. E gosto da mensagem, mas detesto a canção.
Tem ideia de qual foi seu maior público?
Um milhão de pessoas, no réveillon da praia de Copacabana, em 2002.
Quais artistas, fora da música, você admira?
Sou um "foodie". Viajo pelo mundo provando comida por onde passo. Compro temperos, trago de presente e divido informações com quem se interessa. Considero os chefs franceses e espanhóis verdadeiros artistas em suas cozinhas. Um dia ainda vou parar para aprender com eles. As comidas mineira e nordestina também estão incluídas aí. Na pintura, a vanguarda americana da década de 70/80 me agrada bastante, especialmente a criada em Nova York. Keith Harring e Jean-Michel Basquiat são gênios de rua, que foram (graças a Deus) descobertos e revelados ao mundo. É preciso correr o oceano para citar Picasso também. Parece óbvio, mas não é a toa que ele deixou sua marca. Quem tiver oportunidade, há várias salas só dele no MOMA, em Nova York. Não haverá arrependimento. No cinema, são vários: Woody Allen, Spielberg, Scorcese, Tarantino, De Niro, Al Pacino, Kevin Spacey, Helen Mirren, e alguns outros dessa nata prendem a minha atenção. O cinema francês e o cinema italiano têm ganhado meu aplauso também.
Você mora no Rio. Quais lugares da cidade você mais frequenta?
O Rio é lindo, né? Cada dia mais. Não vou à praia e não vou ao Cristo. Nunca subi lá. Sorry... Detesto a Barra e evito ao máximo. O "meu Rio" é andar pela zona sul toda e também sair para comer onde haja um pouco de natureza junto, mas não apenas isso. Gosto e recomendo o restaurante da Chácara Tropical (no Itanhangá), o Aprazível (em Santa Tereza), o japonês Azumi (em Copacabana), o Di Brambini (no Leme) e o meu querido e amado Porcão (em Ipanema), onde me tratam como "sócio-atleta"!
Você concorda com a política pública do Rio de Janeiro para combater o crime organizado no estado?
Não sei qual foi o trato que eles fizeram, mas vai dizer que não melhorou? Agora, só falta organizar.
Tem investimentos fora do mercado musical?
Tenho: milhas da TAM!
O que vai fazer quando se aposentar?
Morrer. Mas acho que a ordem será inversa.
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