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8 de junho de 2013

"Humor é muito imprevisível", diz cantora Clarice Falcão

Com shows esgotados no fim de semana em São Paulo, artista reflete em entrevista sobre sucesso relâmpago e carreira na música e no humor

Cantora, atriz e roteirista, Clarice experimentou o estouro do Porta dos Fundos ao lado do namorado Foto: Divulgação
Cantora, atriz e roteirista, Clarice experimentou o estouro do Porta dos Fundos ao lado do namorado
Foto: Divulgação
  • Tiago Agostini
Faltava ainda mais de uma hora para o show e a fila do Beco, na Rua Augusta, dobrava a esquina e chegava à metade do quarteirão de cima. A aglomeração chamava mais atenção pelo horário, às 20h: acostumada à agitação noturna do underground paulistano, a rua se via tomada por fãs adolescentes de Clarice Falcão, que faria sua primeira apresentação na capital paulista - o show teve que mudar de horário devido à idade da plateia. Duas semanas depois, o frisson se repete. Neste sábado (8), a cantora se apresenta no Auditório Ibirapuera e a venda de ingressos para a primeira sessão, às 21h, foi tão rápida que obrigou a abertura de um horário extra, às 19h.

Atriz e roteirista, criada em família ligada à arte - o pai é o cineasta João Falcão e a mãe é a roteirista Adriana Falcão -, Clarice ainda estranha o palco quando possui um microfone à sua frente - o primeiro show da vida foi no último dia 30 de abril, no Rio de Janeiro. "Eu estava muito nervosa, de não gostar de fazer show, mas felizmente não aconteceu", comenta, lembrando sua estreia e diferenciando a experiência de estar em um palco atuando em uma peça de teatro. "Você se equilibra um pouco mais. Atuar é texto e fazer bem; música é atuar, interpretar, fazer bem, ter uma conexão com a plateia, as letras da música, as notas, o tempo. E ainda tem a banda toda, que está junta. Por mais que tenha outros atores numa peça, em poucos espetáculos eu me senti tão dependendo das outras pessoas como no show", reflete. "Mas é bom ficar nervosa. Quando parar de ter frio na barriga vai ser meio chato."

O show, de fato, ainda parece em construção. Durante a passagem de som, a cantora e os músicos mudam o arranjo do final de Fred Astaire e Clarice pede para que alguém escreva um setlist com as mudanças de instrumentos para o técnico de som. Antes de gravar e lançar seu CD de estreia, Monomania, na internet, Clarice postava as músicas no YouTube apenas com voz e violão. "Gosto muito de fazer letras, e queria chamar atenção para elas", explica. "Mas quando fiz o projeto do CD deu vontade de dar uma cara para cada uma, porque elas tem o mesmo universo, todas falam de amor, tem um eu lírico com o mesmo raciocínio." No palco, a produção é caprichada, incluindo violoncelo, ukulele e várias trocas de instrumentos.

Se você não faz pensando em ser engraçado, quando não é engraçado não tem problema, porque você estava tentando ser mais verdadeiro que engraçado
Clarice Falcão Sobre (não) escrever canções de amor usando humor
Clarice já atuou em novela das 21h da TV Globo - como Mariana, em A Favorita - e estourou recentemente com o Porta dos Fundos, o grupo que tem sacudido o humor brasileiro com vídeos na internet. Mas é no lado cantora que ela pretende focar nos próximos tempos. "Desde que comecei a gravar o CD e a turnê, não tive muito tempo para fazer outras coisas", diz, com a naturalidade de quem prefere não fazer muitos planos para a carreira e o futuro. "Vai muito pelo projeto. Eu acho legal. É bom estar aberto para as oportunidades que aparecem. Às vezes você tem uma ideia tão fechada de onde quer chegar que acaba não reparando no que aparece no caminho."

Leia abaixo a entrevista completa:

Terra - O primeiro show da sua vida foi no Rio de Janeiro, há um mês. Já deu para pegar o jeito do palco?
Clarice Falcão -
Não, acho que nunca. Eu estou muito feliz, estava muito nervosa de não gostar, odiar fazer show, e isso não aconteceu. Gosto muito de estar no palco, mas acho que é bom ficar nervosa, quando parar de ter frio na barriga vai ser meio chato.

Terra - Qual é a diferença entre cantar e atuar numa peça?
Clarice - Tem pouca, sabia? Acho que cantar precisa de um pouco mais de tato, você se equilibra um pouco mais. Atuar é texto e fazer bem; música é atuar, interpretar, fazer bem, ter uma conexão com a plateia, as letras da música, as notas, o tempo. E ainda tem a banda que está junto. Por mais que tenha outros atores numa peça, em poucos espetáculos eu me senti tão dependendo das outras pessoas como no show. Você está junto como uma coisa só, um tom só. É um pouco tecnicamente mais complicado, mas adoro fazer os dois, e os dois dão o mesmo tipo de nervoso antes de entrar no palco - além da mesma dinâmica de você entrar mais nervoso do que sai. 

Terra - Seu público conheceu as músicas com voz e violão. Por que decidiu gravar com banda e como foi o processo de arranjar as músicas?
Clarice - 
Eu gostei muito de fazer voz e violão no começo porque gosto muito de fazer letra, e queria chamar atenção para elas. Mas quando fiz o projeto de um CD deu vontade de dar uma cara para cada uma. Até porque elas têm o mesmo universo, todas falam de amor, têm um eu-lírico com o mesmo tipo de raciocíonio. Foi uma coisa que a gente teve muito cuidado para encher e dar um peso para cada, mas não afogar as letras com arranjos gigantescos. 

Terra - Você usa muito o humor nas letras para falar de amor. É uma forma mais fácil de lidar com o sentimento?
Clarice - 
Acho que é uma forma menos clichê. Eu adoro falar de amor, de sentimentos, relações, maluquices, mas é um tema muito difícil, porque ja foi falado muitas vezes. Tantas pessoas já falaram tão bem de amor que eu acho muito legal pensar de um jeito diferente. Gosto muito de letra, de escrever, então não queria algo que só enchesse a música, "eu te amo muito e etc". Eu tenho uma preocupação de fazer coisas que não ouvi antes. Acontece de eu terminar uma música e pensar "já ouvi isso em algum lugar", ou "isso está muito bobo", então eu boto na gaveta. Às vezes, depois eu uso, tenho uma ideia genial, mas geralmente não tenho e fica na guardada mesmo.
"Quando parar de ter o frio na barriga (do palco) vai ser meio chato", diz sobre se apresentar ao vivo  Foto: Divulgação
"Quando parar de ter o frio na barriga (do palco) vai ser meio chato", diz sobre se apresentar ao vivo 
Foto: Divulgação

Terra - Você e o Gregório (Duvivier, ator e namorado de Clarice) já escreveram roteiro juntos. E música, você mostra para ele?
Clarice - 
No roteiro primeiro a gente escreve a escaleta, joga ideias do que vai acontecer. Na hora de escrever diálogos a gente se separa, cada um com a sua cena. Escrever música é como escrever um diálogo. Óbvio que às vezes ele me dá uma ideia com algo que ele faz, mas na hora de escrever música eu tenho dificuldade com parceria, porque acho que é uma coisa tão complicada, de erro e acerto. Cada frase que você escreve, você pensa em cada palavra, é tão dentro da sua cabeça que eu tenho dificuldade de escrever esse tipo de coisa em parceria. 

Terra - Quanto crescer numa família ligada à arte te ajudou a lidar com a carreira? E foi uma escolha natural?
Clarice - 
Foi muito natural, não consegui pensar em outra coisa. Minha mãe até queria que eu fizesse outra faculdade - "vai que tudo dá errado", ela dizia. Meus pais fizeram arquitetura. Meu pai largou, mas minha mãe é formada - nunca construiu nenhum prédio, graças a Deus. Então ela queria que eu fizesse alguma coisa, mas eu não conseguia nem pensar. Era isso que eu conhecia como trabalho. Até fiz faculdade de cinema e larguei no meio. Eu gosto muito de fazer as coisas, sempre tive vontade de trabalhar, gosto muito. E foi acontecendo. Nunca falei "vou ser isso". Tanto que eu fui mudando, fui atriz, cantora, roteirista. Vai muito pelos projetos que eu tenho, do que quero fazer no momento.

Terra - Como você se define: cantora, atriz ou escritora? E em qual você se sente mais confortável?
Clarice - 
É muito difícil, porque cada um deles tem seus prós e contras. É realmente muito pelo projeto. Agora to muito no da música, fazendo a turnê. Não tive muito tempo desde que eu comecei a gravar o CD e divulgar. Mas é fogo, porque cada um é um universo muito particular, e ao mesmo tempo conversam muito entre si. Quando eu canto, eu atuo, e também escrevi aquelas canções.

Terra: Desde colocar as músicas na internet, o disco sair, no meio do caminho teve o estouro do Porta dos Fundos. Foi tudo muito rápido? Você esperava?
Clarice - 
Foi e não foi. Eu fiz essas músicas há dois anos, mas o fato de eu ter cantado elas ao vivo pela primeira vez há pouco tempo foi muito louco. Eu já estava agoniada que não saía. Foi muito legal, mas foi uma trabalheira. A gente demorou muito mais pra fazer do que o normal. Além de que não era uma banda formada, tava começando do nada. Quando você é sozinha e tem que inventar o som que a música tem é mais complicado.

Terra - O que é mais fácil, fazer humor em roteiro ou em musica?
Clarice - 
É difícil (pensa). Eu acho que talvez em música, porque na verdade eu não pensei em todas músicas como engraçadas e na hora saía, às vezes sem querer. O humor é uma coisa muito imprevisível. As próprias esquetes do Porta dos Fundos, as que eu acho que vão bombar não rolam, e as que eu não acredito têm 50 milhões de views. Eu nunca tenho a menor ideia do que vai ficar engraçado, então não penso em "vou fazer graça". Penso em fazer de um jeito diferente, esquisito. Volta e meia é engraçado, volta e meia não é. Se você não faz pensando em ser engraçado, quando não é não tem problema, porque você estava tentando ser mais verdadeiro que engraçado.

Terra - Você faz planos para sua carreira?
Clarice - Não, mesmo. Por isso fico mudando de ocupação. Eu tenho uma ideia, resolvo fazer música. Até então eu estava escrevendo, mas já tinha sido atriz. Eu acho legal, é bom estar aberto para as oportunidades que aparecem. Às vezes você tem uma ideia tão fechada de onde quer chegar que acaba não reparando no que aparece no caminho.

Terra - Você preferiu lançar o CD de forma independente, sem gravadora. Várias pessoas do Porta dos Fundos, você inclusive, já admitiram o assédio da Globo, mas disseram acreditar que na TV aberta não conseguiriam fazer algumas das coisas que fazem. A independência é a única maneira de preservar a integridade artística?
Clarice - 
Acho que não. Tem o dinheiro também. Tem você ser um cara muito respeitado e estar há muito tempo na profissão. Mas acho que pra gente nova e pobre talvez seja. Eu achei muito doido eu dispensar esse contato com o público que a internet tinha me dado. E não é sá a internet, é uma cultura das pessoas quererem achar as coisas por elas próprias. Seria muito bobo da minha parte ignorar. Especialmente porque eu já tinha conseguido um contato, pessoas que queriam me ouvir sem eu estar numa gravadora ou estar na Globo.

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