Cinema nacional mostra força em produções fora do eixo Rio-São Paulo
Estado de Minas
Na
contramão das comédias que renderam recordes à produção nacional deste
ano, dois dramas merecem especial atenção. 'O som ao redor', estreia em
longa do pernambucano Kléber Mendonça Filho, reflexão sobre a violência e
os ruídos do cotidiano. E barulho é exatamente o que ele vem fazendo.
Exibido em mais de 100 festivais, premiado em vários (o mais recente é o
troféu de Diretor Estreante do Festival de Toronto, no Canadá), o filme
conquista pela sutileza da trama e pela narrativa diferenciada.
A câmera passeia por uma rua de bairro de classe média, na Zona Sul do Recife, que acaba de ganhar seguranças particulares. Curiosamente, é a partir da promessa de proteção que a tensão se instala (ou cresce). Ainda que a vida de vários personagens comece a se desenhar, o foco é mais amplo: o contexto urbano. Aquela rua são várias, aquelas pessoas poderiam ser seus vizinhos e um deles poderia ser você, ator da sociedade contemporânea, prisioneiro do medo construído pelo fracasso econômico, político e social. A violência é implícita. Não há armas nem sangue, mas algo de muito ruim pode (ou está para) ocorrer. O Recife pode ser qualquer lugar e o diálogo é universal.
O segundo filme também se apoia em questão urbana (atual e milenar): a solidão. 'O homem das multidões', parceria do mineiro Cao Guimarães com o também pernambucano Marcelo Gomes, ainda não estreou nas salas do país (a previsão é para maio) mas faturou o Redentor de Direção no Festival do Rio e acaba de ser anunciado para a mostra paralela do 64º Festival de Berlim (6 e 16 fevereiro), a Panorama, dedicada ao cinema autoral/experimental.
A obra se encaixa perfeitamente, pela abordagem do tema e pela estética, o aspect ratio ( 3x3 ou proporção quadrada). Nada de historinha com princípio, meio e fim. A trama transcorre como se Cao e Marcelo passassem pelas vidas de Juvenal (Paulo André) e Margô (Sílvia Lourenço), metroviários que sofrem do mal de bilhões: extrema solidão. A câmera bisbilhota, espremida pelo quadrado claustrofóbico e deixa os dois quase como os encontrou.
São dois filmes instigantes, incômodos e inteligentes. Ambos se apoiam na sutileza elegante de quem “denuncia” sem julgar o que vê. Bom para variar e refletir, em meio ao vazio do riso fácil.
BH bombou
Duas entre várias mostras promovidas este ano pelo Cine Humberto Mauro do Palácio das Artes sacudiram a cidade, e levaram público recorde ao espaço de exibição que passou por reforma estrutural. De abril a maio, a Mostra Howard Hawks, inédita no Brasil, revisitou a obra de um dos cineastas americanos mais aclamados nos últimos 60 anos. Exibiu 44 longas (de 1926 a 1970). Destaque também para a Mostra Hitchcock é o cinema (de julho a setembro), que apresentou filmografia completa do cineasta inglês (54 filmes) e exibiu parte das produções televisivas dos anos 1950 e 60. Cinema de qualidade com entrada franca. Que a iniciativa de Rafael Ciccarini, gerente de Cinema da Fundação Clóvis Salgado, não morra.
Riso rende
Merece registro o burburinho e a dança dos números gerada por comédias escrachadas, filão que não só o brasileiro como plateias do mundo inteiro teimam em valorizar, muito provavelmente no afã de desopilar o fígado. Por aqui, o resultado deste ano deixou o mercado em polvorosa. O Brasil comemorou recordes de público (27 milhões), renda (R$ 260 milhões) e lançamentos (126 longas). Destaque para 'Minha mãe é uma peça', de André Pellenz, com o ator Paulo Gustavo travestido de dona Hermínia, esposa abandonada pelo marido; e de Pernas pro ar 2, de Roberto Santucci, com Ingrid Guimarães. A promessa é de mais do mesmo em 2014.
Região criativa
Não por acaso dois dos diretores dos filmes citados na abertura, Kléber Mendonça e Marcelo Gomes, são pernambucanos. A produção do estado vive verdadeiro boom, com obras marcadas pela pluralidade temática e estética, que vêm conquistando cada vez mais espaço em festivais e salas de cinema. No site que cataloga realizadores locais (www.cinemapernambucano.com.br), o crítico André Dib escreve: “Apenas nos 10 anos deste início de século foram realizados mais filmes do que nos 100 anos anteriores.” Entre os destaques de 2013, 'Era uma vez eu, Verônica', de Marcelo Gomes, e 'Tatuagem', de Hilton Lacerda. Tudo começou com 'Baile perfumado', de 1996 (de Lírio Ferreira e Paulo Caldas), que traz no letreiro os nomes dos principais realizadores do estado, que ainda hoje alternam dobradinhas.
Pacto de amor
Vencedor do Oscar de Filme em Língua Estrangeira e da Palma de Ouro em Cannes, 'Amor', do cineasta austríaco Michael Haneke, pode ser considerado um dos melhores, se não o melhor filme do ano. Com trama contundente e abordagem mais que realista, conta a história de um casal de idosos (interpretações impecáveis de Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva) que mantém, até o fim, seu pacto de amor, companheirismo e solidariedade. Dura, a trama do filme teve companhias temáticas bem mais amenas, num ano em que a terceira idade compareceu às telas variadas vezes. É o caso de 'E se vivêssemos todos juntos?', de Stéphane Robelin, com Jane Fonda e Geraldine Chaplin, que em BH manteve longa temporada.
Oscar dividido
Não há como recordar o ano sem falar em Oscar. A 85ª edição da premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos EUA deu o prêmio de Filme, Roteiro Adaptado e Edição a 'Argo', dirigido por Ben Affleck (também em cena na trama). Mesmo tendo vencido o Globo de Ouro de Direção, ele nem sequer foi indicado ao prêmio em Hollywood, o que causou certo frisson. Venceu Ang Lee, por As aventuras de Pi. Candidato mais incensado (que teve 12 indicações), 'Lincoln' venceu apenas o Oscar técnico de Design de Produção e o de Ator, para um impecável Daniel Day-Lewis, inglês que, com o feito, tornou-se único a receber três Oscars. O disputado prêmio de atriz ficou com Jennifer Lawrence ('O lado bom da vida'). Bola dividida, este ano não houve um grande vencedor.
Estado de Minas
'Som ao redor', de Kléber Mendonça, navegou na contracorrente dos filmes descartáveis, propondo reflexão madura sobre a violência brasileira.Foto: Vitrine Filmes/Divulgação |
A câmera passeia por uma rua de bairro de classe média, na Zona Sul do Recife, que acaba de ganhar seguranças particulares. Curiosamente, é a partir da promessa de proteção que a tensão se instala (ou cresce). Ainda que a vida de vários personagens comece a se desenhar, o foco é mais amplo: o contexto urbano. Aquela rua são várias, aquelas pessoas poderiam ser seus vizinhos e um deles poderia ser você, ator da sociedade contemporânea, prisioneiro do medo construído pelo fracasso econômico, político e social. A violência é implícita. Não há armas nem sangue, mas algo de muito ruim pode (ou está para) ocorrer. O Recife pode ser qualquer lugar e o diálogo é universal.
O segundo filme também se apoia em questão urbana (atual e milenar): a solidão. 'O homem das multidões', parceria do mineiro Cao Guimarães com o também pernambucano Marcelo Gomes, ainda não estreou nas salas do país (a previsão é para maio) mas faturou o Redentor de Direção no Festival do Rio e acaba de ser anunciado para a mostra paralela do 64º Festival de Berlim (6 e 16 fevereiro), a Panorama, dedicada ao cinema autoral/experimental.
A obra se encaixa perfeitamente, pela abordagem do tema e pela estética, o aspect ratio ( 3x3 ou proporção quadrada). Nada de historinha com princípio, meio e fim. A trama transcorre como se Cao e Marcelo passassem pelas vidas de Juvenal (Paulo André) e Margô (Sílvia Lourenço), metroviários que sofrem do mal de bilhões: extrema solidão. A câmera bisbilhota, espremida pelo quadrado claustrofóbico e deixa os dois quase como os encontrou.
São dois filmes instigantes, incômodos e inteligentes. Ambos se apoiam na sutileza elegante de quem “denuncia” sem julgar o que vê. Bom para variar e refletir, em meio ao vazio do riso fácil.
BH bombou
Duas entre várias mostras promovidas este ano pelo Cine Humberto Mauro do Palácio das Artes sacudiram a cidade, e levaram público recorde ao espaço de exibição que passou por reforma estrutural. De abril a maio, a Mostra Howard Hawks, inédita no Brasil, revisitou a obra de um dos cineastas americanos mais aclamados nos últimos 60 anos. Exibiu 44 longas (de 1926 a 1970). Destaque também para a Mostra Hitchcock é o cinema (de julho a setembro), que apresentou filmografia completa do cineasta inglês (54 filmes) e exibiu parte das produções televisivas dos anos 1950 e 60. Cinema de qualidade com entrada franca. Que a iniciativa de Rafael Ciccarini, gerente de Cinema da Fundação Clóvis Salgado, não morra.
Riso rende
Merece registro o burburinho e a dança dos números gerada por comédias escrachadas, filão que não só o brasileiro como plateias do mundo inteiro teimam em valorizar, muito provavelmente no afã de desopilar o fígado. Por aqui, o resultado deste ano deixou o mercado em polvorosa. O Brasil comemorou recordes de público (27 milhões), renda (R$ 260 milhões) e lançamentos (126 longas). Destaque para 'Minha mãe é uma peça', de André Pellenz, com o ator Paulo Gustavo travestido de dona Hermínia, esposa abandonada pelo marido; e de Pernas pro ar 2, de Roberto Santucci, com Ingrid Guimarães. A promessa é de mais do mesmo em 2014.
Região criativa
Não por acaso dois dos diretores dos filmes citados na abertura, Kléber Mendonça e Marcelo Gomes, são pernambucanos. A produção do estado vive verdadeiro boom, com obras marcadas pela pluralidade temática e estética, que vêm conquistando cada vez mais espaço em festivais e salas de cinema. No site que cataloga realizadores locais (www.cinemapernambucano.com.br), o crítico André Dib escreve: “Apenas nos 10 anos deste início de século foram realizados mais filmes do que nos 100 anos anteriores.” Entre os destaques de 2013, 'Era uma vez eu, Verônica', de Marcelo Gomes, e 'Tatuagem', de Hilton Lacerda. Tudo começou com 'Baile perfumado', de 1996 (de Lírio Ferreira e Paulo Caldas), que traz no letreiro os nomes dos principais realizadores do estado, que ainda hoje alternam dobradinhas.
Pacto de amor
Vencedor do Oscar de Filme em Língua Estrangeira e da Palma de Ouro em Cannes, 'Amor', do cineasta austríaco Michael Haneke, pode ser considerado um dos melhores, se não o melhor filme do ano. Com trama contundente e abordagem mais que realista, conta a história de um casal de idosos (interpretações impecáveis de Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva) que mantém, até o fim, seu pacto de amor, companheirismo e solidariedade. Dura, a trama do filme teve companhias temáticas bem mais amenas, num ano em que a terceira idade compareceu às telas variadas vezes. É o caso de 'E se vivêssemos todos juntos?', de Stéphane Robelin, com Jane Fonda e Geraldine Chaplin, que em BH manteve longa temporada.
Oscar dividido
Não há como recordar o ano sem falar em Oscar. A 85ª edição da premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos EUA deu o prêmio de Filme, Roteiro Adaptado e Edição a 'Argo', dirigido por Ben Affleck (também em cena na trama). Mesmo tendo vencido o Globo de Ouro de Direção, ele nem sequer foi indicado ao prêmio em Hollywood, o que causou certo frisson. Venceu Ang Lee, por As aventuras de Pi. Candidato mais incensado (que teve 12 indicações), 'Lincoln' venceu apenas o Oscar técnico de Design de Produção e o de Ator, para um impecável Daniel Day-Lewis, inglês que, com o feito, tornou-se único a receber três Oscars. O disputado prêmio de atriz ficou com Jennifer Lawrence ('O lado bom da vida'). Bola dividida, este ano não houve um grande vencedor.
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