Eduardo Campos e a síndrome de Down
O filho do presidenciável e a influência política na saúde
CRISTIANE SEGATTO
Renata, a primeira-dama, tem 46 anos. Mulheres jovens podem gerar bebês com a síndrome, mas o risco aumenta gradualmente com a idade. Aos 20 anos, a probabilidade de ter um filho com Down é de 1 para 1.600. Aos 35 anos, é de 1 para 370. Na idade de Renata, o risco é estimado em cerca de 1 para cada 100 nascimentos.
Como qualquer bebê nascido com essa condição, Miguel vai precisar de cuidados especiais. Pediatra especializado, fisioterapeuta, fonoaudióloga, acompanhamento da condição cardíaca etc.
Com acesso a recursos e atenção, esses bebês têm totais condições de ter uma vida digna e feliz. Em muitos casos, o desenvolvimento é comprometido por falta de recursos. As famílias e associações de portadores da síndrome sabem disso muito bem. Não vai demorar para que elas enxerguem em Campos um padrinho estratégico.
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Foi assim com o deputado federal Romário (PSB-RJ). Desde o nascimento da filha Ivy, com síndrome de Down, Romário se aproximou da luta das famílias por saúde e outros direitos fundamentais. Recentemente, apresentou um projeto de lei que prevê a simplificação do processo de importação de mercadorias destinadas à pesquisa científica.
O apoio de padrinhos, patronos, aliados é fundamental na luta por visibilidade e verbas. Cada doença tem suas associações de pacientes e elas disputam nacos do orçamento público (a síndrome de Down não é uma doença, mas costuma acarretar problemas de saúde que exigem cuidados especiais).
Não deveria ser assim, mas é assim que gente funciona. Só somos capazes de sentir a dor do outro quando ela se torna próxima e palpável.
Não deveria ser assim, mas é assim que o Brasil funciona. Quase nada vai para frente sem um padrinho. Se ele for uma celebridade influente, é ótimo. Se for uma autoridade (com cargo no legislativo ou no executivo), melhor ainda.
É natural que uma mãe batalhe por atenção e recursos para a questão que a aflige. É compreensível que o problema de cada um seja percebido por ele mesmo como o mais importante do mundo.
Esse comportamento é o esperado de cada mãe. De quem administra os recursos públicos, espera-se isenção. O dinheiro da saúde precisa ser distribuído de acordo com critérios técnicos.
Um dos principais é o que avalia o custo de determinada intervenção e o benefício que ela é capaz de oferecer. O governo deve bancar um novo serviço ou tratamento se o dinheiro investido nele for pouco diante do tamanho do benefício e da quantidade de pessoas atendidas.
Isso é feito com método. Um exemplo é a ferramenta que permite simular e prever o número de anos vividos com qualidade a partir da adoção de um novo medicamento ou tecnologia.
Em países com sistemas de saúde mais eficientes que o nosso, as decisões são baseadas nesses estudos. É o caso do Reino Unido. O Nice, o órgão que faz as avaliações técnicas e diz ao governo se ele deve ou não adotar uma nova droga reivindicada pelos doentes, é odiado pelas associações de pacientes. É frequentemente acusado de fazer avaliações frias e não levar em consideração o sofrimento das pessoas.
Por mais duras e impopulares que sejam essas avaliações, elas representam a forma mais justa de distribuir recursos limitados e de reduzir as iniquidades da saúde -- tão presentes no Brasil. Apesar de todo preconceito contra elas, a matemática e a estatística podem ser grandes instrumentos de justiça social.
Desde 2011, uma comissão que faz análises técnicas semelhantes às do órgão britânico aconselha o Ministério da Saúde sobre as novas tecnologias que devem ou não ser adotadas. É um bom começo.
No Brasil, em todas as esferas de poder, as decisões de saúde (que deveriam ser técnicas) são altamente impregnadas pelo jogo político. O que vale é a projeção, a eleição, a reeleição. Se quisermos penetrar no submundo, há também a corrupção.
Nesse ambiente, o jeitinho, o telefonema, a comoção social costumam encurtar caminhos para quem busca a garantia ou a ampliação de direitos. Um padrinho influente é providencial.
Crianças com síndrome de Down ou outras necessidades de saúde podem despertar nos pais uma disposição ímpar para o engajamento social e político. Não só isso. Cada pai e mãe reagem de um jeito. Cada família funciona a sua maneira.
Não é incomum que o casal se sinta apreensivo ou desanimado logo após o diagnóstico ou depois do parto. Muitos passam pelas fases de negação, raiva e depressão. Até que surgem a aceitação e o entendimento. O importante, como menciona esse texto do Movimento Down, é se deixar conquistar pelo bebê.
A maioria dos pais supera a tristeza inicial quando o filho começa a interagir, sorrir e brincar. Aos poucos, ele conquista toda a família. A informação sobre a síndrome de Down é fundamental para acalmar as pessoas e fazer com que elas enxerguem todas as potencialidades do bebê que nasceu ou vai nascer.
Além de começar a se interessar pelo jogo político, é hora de esquecer o rótulo associado à síndrome e conhecer a personalidade da criança. Muitas vezes, uma personalidade apaixonante.
(Cristiane Segatto escreve às sextas-feiras)
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