Nosso maior problema é a palmada? Por Mônica El Bayeh.
Na 'Visita de Domingo', Mônica diz que teme por uma lei que deixe "os pintinhos" intocáveis
Cresci, no século passado, ouvindo a máxima de que tapa de galinha não mata pinto. Pelo visto, alguma coisa andou acontecendo no galinheiro, porque agora galinhas não podem mais dar tapas nos seus pintos.
Foi aprovada dia 21 de maio, a Lei Menino Bernardo. Mais conhecida como a Lei da Palmada. A lei ganhou esse nome em homenagem ao menino Bernardo que foi impiedosamente assassinado pela madrasta, não se sabe ainda se com ou sem a ajuda do pai do menino.
Bernardo era maltratado pela família de diversas formas. Procurou ajuda em órgãos competentes que não souberam, na época devida, mostrar a devida competência. E a cascata de omissões desembocou na morte da criança. Uma pena.
Na verdade, só mais uma pena no meio de tantas omissões e abandonos que vemos no nosso dia a dia. Estamos todos órfãos de uma política pública que nos ampare e proteja. Não temos hospitais, tratamentos adequados, casas de acolhida que acolham adequadamente, clínicas de efetivo tratamento para nossos jovens drogados. E nosso maior problema é a palmada?
Uma velha conhecida, mãe de três, andava com um alfinete na bolsa. E espetava, discretamente, os filhos quando eles passavam da conta. Se gritassem ou chorassem, ela sadicamente, espetava de novo. Sempre numa discrição britânica. Num silêncio germânico. Só quem sabia é que tomava ciência do que estava acontecendo ali. Mais ninguém.
Por essas e por outras questiono a lei da palmada. Quem maltrata sabe bem como fazer. E faz sem deixar rastros. Muito diferente de uma pobre mãe histérica que num momento de desespero dá uns tapas no filho. Mas qual chama mais a nossa atenção, a discreta má ou a ensandecida barulhenta?
Hoje pintos podem sentar no cantinho do galinheiro e pensar sobre o que fizeram de errado. Ok, uma atitude pacífica. Mas vocês hão de concordar que eles vinham sobrevivendo bem, até agora. Nós todos levamos uns tapas. E sobrevivemos bravamente.
Não falo de surras, falo de tapas. Aquele tapa que escapa quando a sua paciência acabou há mais de meia hora e o sem noção ainda está gritando e se jogando no chão no meio do mercado. O tapa também é encontrado em outras versões como puxões de orelha, cutucões e beliscões. Todas elas acompanhadas de fala baixa e silabada:
- Eu - fa - lei - pa - ra - não - me - xer
Já passei maus bocados por conta de choros de criança. Uma vez saí com meu filho pequeno. Sentei o garoto no balcão de uma lanchonete fast food. E com toda a paciência lhe perguntei o que ele queria comer. Só isso! Não lhe encostei um dedo.
Estava com tempo e com toda a disponibilidade do mundo para passar aquela tarde com ele. O menino não só não me respondeu, como caiu num pranto convulsivo. Sem razão aparente. Seria emoção? Não houve Cristo que o fizesse parar. A lanchonete inteira parou para assistir. É horrível como as pessoas assistem a sua desgraça com interesse. Nem se incomodam em disfarçar. Minha cara foi ao chão.
Pior foi perceber o segurança se aproximando, me cercando, observando de um lado e outro para descobrir por onde eu machucava a criança. Um sufoco. Poderia ter sido denunciada fácil por maus-tratos. E jamais conseguiria provar que focinho de porco não é tomada. Como terminou a história? Ele parou de chorar, escolheu hambúrguer. Ganhou brinde e ficou satisfeito. Eu um trapo e ele bem satisfeito.
Pensar que tapa maltrata é de uma ingenuidade virginal. Vejo crianças e adolescentes torturados de formas tão diversas que até me assusta. Humilhados em suas esperanças, esmigalhados em sua autoestima.
Se vamos fazer uma lei, que seja direita, bem feita e compreenda todo o alcance do que seja castigo, punição e tortura. O leque é vasto e, a meu ver, muito relativo. Aproveitemos o clima de Copa para fazer uma tabelinha. Nesse caso, não de jogos, mas de conversão em tapas.
Me digam, por favor, quanto deve valer em tapas:
Me digam, por favor, quanto deve valer em tapas:
- Um xingamento sussurrado ao pé de orelha para as pessoas da mesa ao lado não perceberem.
- Comentários diários do quanto aquela criança é ruim, desajeitada, burra e nunca faz nada direito.
- Um olhar de desvalorização. Um olhar de vergonha. Um olhar de " por que é que você é assim? "
- A falta de um olhar. Tem ideia do que é não ser olhado com carinho e atenção? Dói mais que qualquer tapa. Talvez nesse a gente nem consiga fazer a conversão.
- A ausência de um carinho, de um colo, de uma palavra de amor.
- A ausência do limite que educa.
- A justificativa para todos os erros cometidos pela criança, transformando-a, para sempre, num infeliz coitadinho ou num mini safado, mau-caráter.
- Prometer e não vir pegar, nem avisar. Simplesmente deixar esperando.
- Prometer e desmarcar alegando uma desculpa bem esfarrapada e trocar o filho por outro programa.
- Mostrar que aquela criança, visivelmente, não é a sua preferida.
- Fazer a criança participar da rotatividade de sua intensa vida afetiva e conhecer todos os seus parceiros. Mesmo que mudem quinzenalmente.
- Vomitar todas as suas raivas e desgraças em cima dela.
- Deixar claro que ela tem que decidir de quem gosta mais.
- Mudar de planos diariamente e falar deles como se fossem sérios. Deixar que a criança imagine que ela realmente vai para outros países, lugares, em férias ou definitivamente.
- Colocar castigos, em cima da hora, por motivos torpes e impedir a criança de ir às festa, às viagem – eventos que nunca mais se repetirão. Porque festa e viagem é evento único. Não foi, perdeu. Aquele nunca mais se repetirá.
- Arrumar parceiros que maltratem seus filhos. E, pior parte, fazer de conta que não percebe o que está acontecendo, deixando-os expostos e desprotegidos.
- Comentários diários do quanto aquela criança é ruim, desajeitada, burra e nunca faz nada direito.
- Um olhar de desvalorização. Um olhar de vergonha. Um olhar de " por que é que você é assim? "
- A falta de um olhar. Tem ideia do que é não ser olhado com carinho e atenção? Dói mais que qualquer tapa. Talvez nesse a gente nem consiga fazer a conversão.
- A ausência de um carinho, de um colo, de uma palavra de amor.
- A ausência do limite que educa.
- A justificativa para todos os erros cometidos pela criança, transformando-a, para sempre, num infeliz coitadinho ou num mini safado, mau-caráter.
- Prometer e não vir pegar, nem avisar. Simplesmente deixar esperando.
- Prometer e desmarcar alegando uma desculpa bem esfarrapada e trocar o filho por outro programa.
- Mostrar que aquela criança, visivelmente, não é a sua preferida.
- Fazer a criança participar da rotatividade de sua intensa vida afetiva e conhecer todos os seus parceiros. Mesmo que mudem quinzenalmente.
- Vomitar todas as suas raivas e desgraças em cima dela.
- Deixar claro que ela tem que decidir de quem gosta mais.
- Mudar de planos diariamente e falar deles como se fossem sérios. Deixar que a criança imagine que ela realmente vai para outros países, lugares, em férias ou definitivamente.
- Colocar castigos, em cima da hora, por motivos torpes e impedir a criança de ir às festa, às viagem – eventos que nunca mais se repetirão. Porque festa e viagem é evento único. Não foi, perdeu. Aquele nunca mais se repetirá.
- Arrumar parceiros que maltratem seus filhos. E, pior parte, fazer de conta que não percebe o que está acontecendo, deixando-os expostos e desprotegidos.
Não estou defendendo nenhum tipo de agressão aqui. Acho triste qualquer pessoa ser agredida, independente da idade. Há tipos de agressões que nos passam despercebidas. As piores humilhações não são barulhentas, não incomodam os vizinhos. Vão trucidando a alma, sem alarde.
O tapa que deixa a marca da sua mão ou do chinelo vermelha na bunda com o tempo passa. Há um leque infinito de formas de torturar sem encostar um único dedo na pessoa. Um sofrimento que escurece a alma. O que é pior?
O ideal é ser feliz o tempo todo? Ótimo. Mas, pelo menos aqui em casa, essa família margarina não existe, não. Somos quatro. Cada um com suas ideias, desejos, dificuldades e mau humor. Todo mundo tem seu dia de ovo virado. Lidamos com o possível. E tem horas que até o possível é bem complicado.
Uma mãe descontrolada gritando, dando um tapa, não é uma cena agradável de se presenciar. Mas pode estar ali uma mãe presente e afetiva, sim. As aparências enganam. Lembram que família feliz e equilibrada era a da Isabela Nardoni passeando no mercado, pouco antes do seu assassinato?
Há casos graves. Infelizmente, muitas vezes, os mais discretos e silenciosos. Não sou a favor de tapa. Mas temo por uma lei que deixa a criança como intocável. Acho muito perigosa essa fiscalização na casa alheia que essa lei pode autoriza e desperta. No geral, o que me dá o direito de tentar botar ordem na casa dos outros?
Não se trata de apologia ao tapa, de jeito nenhum. Mas, tirando os casos extremos, ainda sou da opinião que cada família tem o seu jeito, a sua organização própria, a sua forma de trocar afeto e cada um é que sabe como botar ordem no seu galinheiro.
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