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2 de junho de 2014


Paulo Roberto Feldmann: "O 

brasileiro é um pouco indolente"

O economista diz como a cultura social, a falta de rigor no trabalho e a precariedade na formação escolar tornam as empresas brasileiras menos profissionais

NATÁLIA SPINACÉ

MÁ GESTÃO Paulo Roberto Feldmann no campus da USP. Seu livro sobre os hábitos brasileiros no  trabalho acaba de  ser lançado nos EUA (Foto: Camila Fontana/ÉPOCA)
O economista Paulo Roberto Feldmann conhece o mundo da administração das empresas brasileiras por experiência acadêmica e profissional. Professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP), Feldmann foi diretor de empresas como Microsoft e Banco Safra. Atualmente, é presidente do Conselho da Pequena Empresa da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo e diretor da Câmara de Comércio Brasil-Israel. Seu novo livro, que acaba de ser lançado nos Estados Unidos,Management in Latin America(editora Springer), propõe-se a ensinar americanos a trabalhar com latino-americanos. Nesta entrevista, ele explica por que nossa produtividade no trabalho é tão baixa.
ÉPOCA – O senhor acha que a má administração está por toda parte no Brasil?
Paulo Roberto Feldmann –
 De forma geral, o brasileiro administra mal. Isso foi constatado pela primeira grande pesquisa mundial para avaliar o nível de gestão, feita pelos economistas Nicholas Bloom e John Van Reenen. Nela, mais de 500 empresas brasileiras foram entrevistadas, e o Brasil foi extremamente mal avaliado. Ainda assim, nosso país tem algumas áreas bem administradas. Nessa mesma pesquisa, é possível ver a nota das empresas multinacionais que atuam no Brasil, em comparação com as empresas locais. As multinacionais não foram tão mal avaliadas quanto as empresas nacionais, pois elas trazem os métodos de gestão e a cultura de fora.
ÉPOCA – O que acontece com as empresas daqui? Existe um fator cultural ou comportamental que faz as empresas ser piores?
Feldmann – 
A administração é fortemente influenciada pelos aspectos culturais. Algumas coisas na cultura do brasileiro acabam atrapalhando. A tendência a dar valor exagerado a nossas amizades e à família é uma delas. Muitos executivos levam isso para dentro da empresa e, quando precisam de um profissional, em vez de buscarem o melhor do mercado, tentam achar alguém entre seus conhecidos. Outra questão importante é que somos muito possessivos. As empresas americanas, como todas no mundo, começam pequenas. Um ano depois, esse empreendedor abre o capital para receber novos acionistas, e a empresa cresce. Isso não acontece no Brasil, porque o empresário brasileiro não quer perder o controle de jeito nenhum. Isso é um empecilho grande para o crescimento das empresas no Brasil. O capital aqui não é aberto, e as decisões ficam centralizadas em poucos sócios. Isso torna as empresas brasileiras menos profissionais.
ÉPOCA – Entre executivos, existe a crença de que, por causa dos longos períodos de instabilidade econômica, os brasileiros são administradores flexíveis, que sabem lidar bem com situações de crise. Por essa crença, os brasileiros são até cobiçados por multinacionais. O que o senhor vê de errado nessa crença?
Feldmann –
 Isso não é um grande traço brasileiro. Essas pessoas existem, mas esse comportamento não é uma regra. É claro que existem executivos brasileiros bons, mas dentro da média. Quando um brasileiro desponta lá fora, ele é muito reconhecido, aparece na mídia, e fica a impressão de que existem vários na mesma situação. O que não é verdade. Mas o brasileiro de fato tem a característica da flexibilidade. Também aprendemos muito com a inflação. Na área de finanças, saíram bons executivos. Mas não é algo significativo.
ÉPOCA – Por que os brasileiros não sabem administrar?
Feldmann –
 O problema começa em nossa educação. A Itália colocou no currículo do 1o e 2o grau noções de administração. Com 15 e 16 anos, o jovem aprende contabilidade, estudo de mercado, como fazer um fluxo de caixa. E a Itália é o país mais bem-sucedido em pequenas empresas. Se não ensinamos a administrar desde cedo, isso vira um problema. No Brasil, o jovem não aprende absolutamente nada sobre administração na escola. Na Alemanha e no Japão, dois dos países com mais bons administradores, não existe curso de administração de empresas. Nesses países, é preciso se formar em economia e, depois, fazer uma especialização em administração. No Brasil, existem infinitos cursos de administração e, no entanto, somos ruins em gestão. O administrador brasileiro sai da faculdade sem entender muito sobre economia, uma deficiência grave.
ÉPOCA – Além da educação, existe algum outro fator que colabora para isso?
Feldmann –
 Alguns autores da área de administração constataram que países com dificuldades climáticas desenvolvem melhor o hábito de administrar. O Japão é um exemplo. Ele tem problemas seriíssimos de falta de espaço e riquezas naturais, por isso precisou se desenvolver muito em outras áreas. A Holanda é outro exemplo. Hoje, é um dos maiores produtores de flores do mundo, mas há 30 anos isso não existia, pois o clima não permitia. Eles investiram muito em tecnologia para isso. Às vezes, a dificuldade gera boa administração. Somos um país bem dotado em termos de riquezas naturais, por isso não nos preparamos para lidar com dificuldades.
ÉPOCA – Quais são as consequências para a sociedade dessa incompetência? Os atrasos nas obras para a Copa e a Olimpíada são exemplos?
Feldmann –
 Com certeza, o atraso nas obras da Copa é um exemplo. Somos um país com produtividade baixa. Há dados sobre a produtividade da mão de obra em vários países. Nos EUA, a produtividade é 100. No Brasil, é de 18% da americana. Isso quer dizer que a produtividade do brasileiro é menor que a quinta parte do americano. Na Alemanha, é 70%. A produtividade do trabalhador aqui é muito baixa.
"No trabalho, o brasileiro não segue regras e não se empenha em ser preciso"
ÉPOCA – No Brasil, as pessoas trabalham muitas horas, mas  produzem pouco. Por que isso acontece?
Feldmann –
 Algumas características culturais do brasileiro atrapalham seu desempenho no trabalho. Não damos importância à pontualidade. Em outros países, isso é inadmissível. O fato de não darmos importância a detalhes de comportamento influencia a má administração. No Brasil, se alguém atrasa a entrega de um projeto, dificilmente será advertido ou punido. Em outros países, a questão da pontualidade e do cumprimento de prazos é levada muito a sério, e isso tem uma influência na produtividade. Na média, o brasileiro é um pouco indolente, não se preocupa em seguir regras e não se empenha em ser preciso. De forma geral, o brasileiro não tem um ritmo de trabalho tão alto como os americanos e os europeus.
ÉPOCA – Por que o ritmo de trabalho do brasileiro é tão inferior?
Feldmann – 
Não temos o hábito de premiar as pessoas por produtividade, nem de punir. Não se pune a baixa produtividade no Brasil. Aqui, isso é tolerado. Em vez de ser dispensada, essa pessoa é mantida. Esses dois fatores desmotivam os funcionários.

ÉPOCA –  Então, dar prêmios e punir seriam maneiras de incentivar a produtividade? O que mais pode ser feito?
Feldmann –
 Essas saídas são fundamentais, mas o problema não é apenas cultural. A legislação trabalhista no Brasil é complicada. Se um funcionário ganha um prêmio, sai depois da empresa e entra na Justiça. Os meses em que ele ganhou o prêmio serão incorporados ao salário dele. Isso torna o processo mais caro para a empresa. E impede esse tipo de premiação e incentivo. A Justiça do Trabalho também atrapalha muito. Ela é lenta. É muito raro uma empresa no Brasil que não tenha uma ação na Justiça, e isso aqui é demorado. A burocracia também é um problema. Para abrir uma empresa na Dinamarca, leva cinco dias. No Brasil, quase 120. Isso é um fator de atravancamento enorme da produtividade. O Brasil tem muita burocracia inútil.
ÉPOCA – Que conselho o senhor daria a um novo gestor para aumentar a produtividade?
Feldmann –
 Para ser um bom chefe, a coisa mais importante é ser justo. Premiar quem tem bom desempenho e punir quem tem baixo desempenho. E desenvolver um mecanismo bom de avaliação. Você tem de saber quem realmente é bom e quem é ruim em sua equipe. O brasileiro não gosta de encontrar quem são os maus funcionários. Trabalhei em algumas empresas americanas que obrigavam a avaliar 10% da equipe como maus funcionários. Você tinha de encontrar isso. É natural, porque você sempre tem funcionários inferiores. Isso funciona. Nós, brasileiros, por sermos muito cordatos e gentis, não gostamos de tratar ninguém mal, nem de apontar quem é o mau funcionário. Isso vai contra a índole brasileira de ser cordato. Brasileiro não gosta de fazer papel de mau, por isso nunca pune os maus funcionários. Se você deixar na mão do chefe brasileiro, ele premiará todos, e isso é injusto.

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