Uma chance para o tubarão
Apesar do apelo internacional para salvar algumas espécies de tubarões da extinção, a pesca predatória persiste. É um mau negócio para a natureza e para a economia
LAWRENCE WAHBA, COM SOFIA GRAÇA ARANHA
Sol, mar calmo e cristalino. Típico Caribe. Assim que nosso barco de mergulho ancora, o guia começa a jogar fatias de peixe no mar. Em poucos minutos, a superfície está cheia de tubarões-limão de mais de 2 metros de comprimento. Conseguimos contar pelo menos 30 aglomerados na popa do barco. Chega a hora de pular n’água. O que para muitos seria um pesadelo, para mim, para a bióloga Sofia Graça Aranha e para o fotógrafo Lucas Gaspar Pupo é um sonho. Estamos nas Bahamas para gravar um documentário sobre a conservação de tubarões. Nosso objetivo é ficar cara a cara com algumas das espécies mais perigosas do oceano.
Desde 2005, frequento essa região, conhecida como Tiger Beach. Nosso guia é o pernambucano Humberto Moreira Barbosa, o Beto, de 38 anos, alimentador de tubarões nas Bahamas há mais de três. Ele carrega uma caixa de metal recheada de carcaças de peixes. O recipiente é todo furado para que o cheiro se espalhe, e os tubarões se aproximem. Mal nos acomodamos no fundo de areia, a 7 metros de profundidade, avisto um grande vulto. Com os braços, faço um sinal em formato de T, e Sofia começa a vibrar. Bem ali, na nossa frente, um tubarão-tigre de quase 4 metros de comprimento, um dos mais agressivos do mundo, nada tranquilo. Suas mandíbulas são fortes o suficiente para rasgar o casco de uma tartaruga. Além de filmar os exemplares dessa espécie, queremos interagir com os animais – uma tentativa de desmitificá-los.
Com uma experiência de mais de 20 anos em mergulhos com tubarões, ainda fico surpreso com quanto eles podem ser amigáveis. Com um peso estimado em 400 quilos, a enorme fêmea nada a centímetros de nós sem nos intimidar. Gentilmente, pega um pedaço de peixe da mão do nosso guia. O animal parece curioso com a cor laranja das minhas nadadeiras. Na falta de mãos para tentar pegá-las, resolve investigar com a boca. Empurro a cabeça colossal, e a tigresa se afasta. Já tive encontros com centenas de espécies de animais na natureza. Estou certo de que nenhum outro predador selvagem permitiria esse grau de contato sem reagir.
Essa foi a primeira de nove fêmeas de tubarão-tigre que avistamos naquele dia. Eram todas tão amistosas que pude acariciá-las em diversas ocasiões. Até há pouco tempo, interações como essas eram consideradas impossíveis. Isso mudou depois de alguns mergulhadores corajosos perceberem que os tubarões têm mais má fama que braveza.
Stuart Cove é um desses pioneiros – além de dono da operadora de mergulho que nos acompanhou em Tiger Beach e ex-dublê de Roger Moore nos filmes de James Bond. Ele desenvolveu técnicas para mergulhar com os tubarões em segurança e as ensinou aos turistas. “Hoje, esse tipo de mergulho gera US$ 80 milhões por ano para a economia das Bahamas”, diz Cove. “Por isso, a pesca e a venda de produtos derivados de tubarão são proibidas no país desde 2011.”
>> O que é, onde vive e como se reproduz o tubarão-duende
Iniciativas como essas mostram que há vantagens econômicas em preservar os tubarões – em vez de matá-los para vender sua carne por R$ 15 o quilo. Onze países em todo o mundo não permitem a pesca de tubarões. Muitos outros vêm adotando medidas consistentes para preservá-los. A diminuição da população desses animais pode afetar economias diretamente, como aconteceu em Port Lincoln, sul da Austrália, no final dos anos 1980. A pequena vila pesqueira tinha na pesca de atum sua principal atividade econômica, e a pesca esportiva de tubarões-brancos era uma atividade secundária. Como o tubarão-branco é predador do atum, as atividades pareciam se complementar. Mas a diminuição da população de tubarões trouxe como consequência a diminuição da pesca do atum. Estudos mostraram que o tubarão branco é o principal predador dos leões-marinhos. Os leões-marinhos comem grande quantidade de sardinhas, responsáveis por atrair os atuns. Com a diminuição dos tubarões e o aumento de leões-marinhos, sumiram as sardinhas, e os atuns passaram a não se aproximar da região. A pesca de tubarões foi proibida, e a situação voltou ao normal.
Iniciativas como essas mostram que há vantagens econômicas em preservar os tubarões – em vez de matá-los para vender sua carne por R$ 15 o quilo. Onze países em todo o mundo não permitem a pesca de tubarões. Muitos outros vêm adotando medidas consistentes para preservá-los. A diminuição da população desses animais pode afetar economias diretamente, como aconteceu em Port Lincoln, sul da Austrália, no final dos anos 1980. A pequena vila pesqueira tinha na pesca de atum sua principal atividade econômica, e a pesca esportiva de tubarões-brancos era uma atividade secundária. Como o tubarão-branco é predador do atum, as atividades pareciam se complementar. Mas a diminuição da população de tubarões trouxe como consequência a diminuição da pesca do atum. Estudos mostraram que o tubarão branco é o principal predador dos leões-marinhos. Os leões-marinhos comem grande quantidade de sardinhas, responsáveis por atrair os atuns. Com a diminuição dos tubarões e o aumento de leões-marinhos, sumiram as sardinhas, e os atuns passaram a não se aproximar da região. A pesca de tubarões foi proibida, e a situação voltou ao normal.
Apesar do apelo internacional para salvar algumas espécies da extinção, a pesca predatória desses animais ainda é problemática. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), cerca de 100 milhões de tubarões são mortos por ano. Grande parte deles por meio de uma prática conhecida por finning, a pesca para a obtenção das barbatanas do animal, menos de 5% do corpo. Depois de mutilados, os animais são jogados ao mar e sofrem uma morte lenta e agonizante.
Um dos grandes problemas de trabalhar com a conservação de tubarões é que, ao contrário de golfinhos e baleias, animais carismáticos, eles têm fama de vilão. Desde que o cineasta Steven Spielberg chocou as plateias com o clássico filme de terror Tubarão, de 1975, o pesadelo de ser atacado por um passou a fazer parte de nosso imaginário. Qual o risco real de isso acontecer? Estatísticas do International Shark Attack File (Isaf), uma instituição que registra e investiga as agressões relatadas no mundo, mostram que a média de ataques não provocados contra humanos é menor do que 70 por ano. Desses, menos de dez são fatais. Na Austrália, a morte de um surfista atacado por um tubarão-branco no ano passado reacendeu a discussão em torno do sacrifício dos tubarões. Depois de sete acidentes fatais nos últimos três anos, a Austrália criou uma lei e destinou US$ 6 milhões para o abate preventivo de animais. A lei poderá atingir espécies ameaçadas de extinção. Inspirado por essa lei, um grupo de brasileiros passou a defender a pesca preventiva de tubarões no Recife. Desde 1992, ocorreram na região 58 ataques, 22 deles fatais – média de uma morte por ano. Não há comprovação científica de que a medida reduziria os ataques.
>> Morre jovem atacada por tubarão no Recife; assista ao vídeo
O Brasil ainda está distante de estratégias sofisticadas de conservação de tubarões. A prática do finning é considerada ilegal por aqui, e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) publicou uma lista de animais ameaçados de extinção – ela garante a proibição da pesca de algumas espécies de tubarões. Ambientalistas, entretanto, criticam o fato de algumas espécies globalmente ameaçadas, como o tubarão-martelo, terem sido excluídas da lista. Em Fernando de Noronha, um dos nossos poucos polos de turismo submarino, os turistas correm o risco de sair mais confusos do que conscientes da importância dos tubarões para os ecossistemas. Num estabelecimento chamado Museu dos Tubarões, há palestras de educação ambiental que alertam para o risco de extinção de várias espécies devido ao excesso de pesca. Minutos depois, os turistas recém-conscientizados são convidados a comprar e comer bolinhos de tubalhau, feitos com carne de tubarão.
O Brasil ainda está distante de estratégias sofisticadas de conservação de tubarões. A prática do finning é considerada ilegal por aqui, e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) publicou uma lista de animais ameaçados de extinção – ela garante a proibição da pesca de algumas espécies de tubarões. Ambientalistas, entretanto, criticam o fato de algumas espécies globalmente ameaçadas, como o tubarão-martelo, terem sido excluídas da lista. Em Fernando de Noronha, um dos nossos poucos polos de turismo submarino, os turistas correm o risco de sair mais confusos do que conscientes da importância dos tubarões para os ecossistemas. Num estabelecimento chamado Museu dos Tubarões, há palestras de educação ambiental que alertam para o risco de extinção de várias espécies devido ao excesso de pesca. Minutos depois, os turistas recém-conscientizados são convidados a comprar e comer bolinhos de tubalhau, feitos com carne de tubarão.
Lawrence Wahba, 45 anos, é documentarista de natureza.
Sofia Graça Aranha, 27, é bióloga e consultora ambiental.
Filmaram o documentário Sharks and I, nas Bahamas
Sofia Graça Aranha, 27, é bióloga e consultora ambiental.
Filmaram o documentário Sharks and I, nas Bahamas
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