A primeira proposta de Dilma depois de reeleita já enfrenta resistência no Congresso
Dilma teve a primeira lição depois de reeleita. Não dá para falar em diálogo e defender um plebiscito sobre reforma política sem ouvir o Congresso
LEANDRO LOYOLA COM MURILO RAMOS
A presidente Dilma Rousseff
estava na metade de seu discurso da vitória, na noite do domingo, e já
repetira quatro vezes a palavra “diálogo”. Numa construção retórica
típica do “dilmês”, disse: “Esta presidente está disposta ao diálogo, e
esse é meu primeiro compromisso no segundo mandato: o diálogo”. Dilma
apelava à conciliação após uma vitória apertada numa disputa eleitoral
agressiva. Rouca e com um microfone ruim, que reproduzia sua voz
abafada, num volume baixo, ela padecia por não conseguir ordenar que a
militância, incontrolavelmente empolgada, fizesse silêncio. Foi quando
sacou o compromisso com a reforma política, o receituário preferido do
PT para os momentos difíceis – o mesmo adotado pelo governo depois das
ruidosas manifestações de junho de 2013. “Meu compromisso, como ficou
claro durante toda a campanha, é deflagrar essa reforma. Que deve ser
realizada por meio de uma consulta popular. Como instrumento dessa
consulta, o plebiscito, vamos encontrar a força e a legitimidade
exigidas neste momento de transformação para levarmos à frente a reforma
política. Quero discutir profundamente esse tema com todo o Congresso e
toda a sociedade brasileira.” Foi interrompida por aplausos e por
gritinhos de “Uhuuu!!!”.
A plateia partidária estava ganha. O Congresso mostrou-se bem menos
receptivo ao discurso de Dilma. Dois dias depois veio o troco. Irritados
com a iniciativa do plebiscito, os deputados, alguns deles amargurados
com derrotas nas urnas, na primeira votação pós-eleição, anularam os
efeitos de um decreto presidencial que cria conselhos populares com
autonomia para interferir em decisões de órgãos do governo. O Senado
avisou que confirmará a decisão. Em seguida, a Comissão de Agricultura
aprovou as convocações dos ministros Neri Geller, da Agricultura, e
Edison Lobão, de Minas e Energia, para prestar esclarecimentos, apenas
com a intenção de criar constrangimentos a eles e a Dilma. Foi a maneira
como os parlamentares, principalmente do PMDB da Câmara, mostraram a
Dilma que ela não terá trégua após a reeleição, principalmente se
mantiver os métodos de governo usados até agora.>> A vitória de Dilma, a presidente que não baixou a cabeça
Para anunciar um diálogo, é preciso dialogar antes – e Dilma esqueceu-se de fazer o que pregara no discurso. Depois, até tentou suavizar sua proposta de plebiscito. Mas o Palácio do Planalto não se esforçou para que qualquer um de seus líderes ou representantes no Congresso explicasse a aliados e adversários a ideia do plebiscito. Não deu também nenhum sinal de parceria na reforma política e em outros assuntos. “Não fomos procurados. Não teve diálogo até agora”, diz o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ). “Acontece que a presidente não tem carência; a carência serviu para o primeiro governo dela. O segundo governo dela mal começou e já sofre de envelhecimento precoce. Espera-se dela que dialogue em vez de falar em diálogo.”
Cunha é pré-candidato à presidência da Câmara, na eleição que acontecerá em fevereiro. Na semana passada, o PMDB aproveitou a omissão do governo e o discurso de Dilma para recomendar Cunha como opção à presidência da Câmara contra um candidato do PT. O objetivo é resistir a Dilma. Cunha controla uma bancada particular e tem bons contatos com a oposição. No ano passado, ajudou a criar e consolidar o Blocão, um grupo formado por parte da bancada de apoio ao governo e por parlamentares de oposição. O Blocão travou o andamento do Congresso e criou condições para a criação de duas CPIs para investigar a Petrobras. No enfrentamento com o governo, Cunha irritou Dilma, a ponto de ela recusar-se a recebê-lo.
>> Dilma Rousseff: vitória no sufoco
Mesmo com muita conversa, seria difícil para Dilma convencer o Congresso de suas boas intenções com o plebiscito. Uma reforma política é importante. Mas a ideia de fazê-la pelo plebiscito é uma forma de o governo se aproveitar da baixa popularidade dos políticos, em especial dos parlamentares, para angariar apoio na sociedade. Os parlamentares não gostam nem um pouco da ideia de tentar mudar as regras que regem suas vidas por uma via em que eles terão menos chances de palpitar. Dilma já tentara a proposta do plebiscito no ano passado, após as manifestações de junho. Na ocasião, ela foi enterrada pelo Congresso sem cerimônia. A indisposição com a ideia é grande porque Dilma nunca demonstrou vontade, disposição, habilidade e simpatia para fazer o que prometeu no palanque da vitória: o diálogo com o Congresso e os políticos em geral.
>> Dilma: "Não acredito que estas eleições tenham dividido o país"
Dilma terá de melhorar os canais com os congressistas. No primeiro mandato, ela não contou com uma retaguarda eficiente, no Palácio do Planalto, para a interlocução política. Num primeiro momento, teve, na Casa Civil e no Ministério das Relações Institucionais, o auxílio do deputado Luiz Sérgio (PT-RJ), da ex-senadora Ideli Salvatti (PT-SC) e da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR). Todos eram desprezados pelos parlamentares por ter pouca autonomia. A situação não melhorou com a configuração de hoje. O ministro das Relações Institucionais, Ricardo Berzoini, embora respeitado no Congresso, é considerado pouco conciliador. Apesar de ter sido parlamentar por 20 anos, o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, tem poucos amigos no Congresso.
As dificuldades não seriam tão grandes se Dilma não tivesse pela frente duas CPIs que investigam casos de corrupção na Petrobras. As CPIs são controladas por governistas, mas o Congresso está conflagrado por causa das revelações do ex-diretor Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef sobre o esquema que drenou dinheiro público para PP, PT e PMDB. As duas CPIs podem ser encerradas ao final deste ano, mas parlamentares da oposição já trabalham para ter assinaturas suficientes para abrir uma nova em 2015, pois as revelações sobre a corrupção na Petrobras continuarão a brotar na Justiça. Nesse caso, não há ideia de plebiscito – ou mesmo de diálogo – que seja capaz de contornar as dificuldades do governo.
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