“Abrimos mão de objetos para realizar um sonho”, diz casal que largou a vida no Brasil para viajar pelo mundo
Natalie e Robson criaram o blog "Love and Road" para documentar o que estão vivendo e compartilhar suas impressões sobre as diferentes culturas que encontram. Apesar dos prazeres, a falta de um lar fixo e distância da família são latentes
ISABELLA CARRERA
O casal brasileiro Natalie Deduck, 31 anos, e Robson Cadore, 34 anos,
juntou coragem e dinheiro para realizar a aventura que muitas pessoas
sonham e poucas concretizam: deixar a rotina para trás e sair passeando
pelo mundo. Depois de oito anos de namoro e poucos meses de casado, em
abril deste ano eles se desfizeram dos seus bens em Itajaí, Santa
Catarina, e partiram para a aventura, bancada com as próprias economias.
Amantes de viagens, os dois já conheceram 30 países juntos ao longo da
vida. Só este ano, foram nove.
Hoje, depois de um semestre de mochilão (cada um carrega 15 quilos nas
costas), a ex-jornalista e o ex-gerente de comércio exterior são
viajantes em tempo integral. Eles estão empenhados em monetizar o blog
sobre turismo, Love and Road,
criado há quatro meses com conteúdo disponível em inglês e português.
Tornando-o sua nova ocupação e fonte de sustento, não seria preciso
permanecer em um só lugar tão cedo.>> Natalie e Robson dão 12 dicas para fazer a viagem dos seus sonhos
ÉPOCA conversou com o casal sobre como é um dia na vida de quem acorda para viajar e quais são os maiores privilégios, surpresas e desgostos de quem vive com a mochila nas costas e o mapa nas mãos. O casal conversou com a reportagem direto da Tailândia:
ÉPOCA – Como começou a ligação de vocês com o turismo?
Natalie Deduck – Robson e eu estamos juntos há oito anos e, desde que nos conhecemos, adoramos viajar. Nossa primeira viagem foi em 2006 para Buenos Aires. Até então nenhum de nós tinha ido para fora do país, mas queríamos conhecer o mundo. Um ano depois nos mudamos para Dublim, na Irlanda. Lá eu trabalhava em uma loja dentro de uma universidade e o Robson em uma empresa de navegação, enquanto fazíamos cursos de inglês. Visitamos vários países da Europa enquanto moramos em Dublim – nossa meta era fazer uma viagem por mês. Mesmo assim, sentíamos que nossa vontade não era morar em um único país – queríamos ser nômades! Pesquisamos sobre trabalho remoto e pensamos: por que nós não poderíamos viver assim também? Depois de dois anos na Irlanda, voltamos ao Brasil em 2009, casamos em 2013, saímos em lua de mel e, em outubro, começamos a resolver nossa mudança. Em abril estávamos com tudo pronto para partir.
ÉPOCA – Como foi o processo de se desfazer do que vocês tinham no Brasil?
Natalie – Vendemos muita coisa online e em bazares, colocamos nossa casa em Itajaí para alugar. A facilidade com que desapegamos nos surpreendeu. Acabamos enxergando a mudança como uma troca: abríamos mão de objetos para realizar um sonho. Quando víamos o dinheiro entrando na poupança, ficava mais fácil vender nossas coisas [risos].
Robson Cadore – Nosso mantra era desapegar de algo grande para conquistar um objetivo ainda maior. Por exemplo, tive de desistir de uma corrida em que estava inscrito esse ano no Brasil, mas, em compensação, vou participar da maratona de Paris em abril do ano que vem.
ÉPOCA – Como vocês decidiram por onde começar essa exploração do mundo?
Natalie – Nossa ideia inicial era ir direto para a Ásia, mas o voo saía muito caro. Descobrimos que era bem mais barato voar primeiro para a Europa e de lá para a Ásia. Viajamos, então, primeiro para a Espanha e decidimos ficar um tempo por lá. Passeamos por Madrid, Toledo, Barcelona e outras cidades menores. Em seguida, ficamos 20 dias em Portugal, 20 dias em Marrocos e voltamos para o sul da Espanha por um mês. Passamos depois pela costa do Mediterrâneo na França, Itália, Croácia, Turquia e, finalmente, chegamos na Tailândia, onde estamos há quatro semanas.
ÉPOCA – Como vocês planejam as viagens? Checam tudo com antecedência ou são mais flexíveis?
Natalie – Eu sou muito organizada e, no começo, eu precisava ter tudo pronto e arrumado um mês antes da viagem senão eu ficava louca [risos]. Hoje, costumamos checar o custo-benefício de transporte e estadia mais em cima da hora.
Robson – Como viajamos com orçamento reduzido, não temos tanto hábito de ficar em hotel. Usamos muito o aluguel de quartos do Airbnb porque costuma sair até mais barato que hostels e podemos usar a cozinha da casa para prepararmos refeições, o que economiza gastos com alimentação.
Natalie – Também fizemos house sitting e pet sitting, esquema em que uma pessoa cede sua casa de graça para outra durante um determinado período de tempo. O hóspede precisa, em retorno, cuidar da casa ou do animal de estimação. É um bom negócio para quem não quer gastar.
ÉPOCA – Como é a rotina de vocês hoje?
Robson - Trabalhamos no blog dois ou três dias por semana. Nesses dias, acordamos às 7h, saímos para correr, tomamos café da manhã e vamos para algum cibercafé ou local com wi-fi potente e de baixo custo. Costumamos ficar lá das 9h às 19h, tratando fotos e escrevendo posts. Nos dias livres, vamos fazer os passeios.
Natalie – Achávamos que seria tranquilo viajar e atualizar o blog, mas é pesado. Aprendemos a enxergar nossa rotina de mochileiro por meio de um olhar de blogueiro, então isso facilita nosso trabalho.
ÉPOCA – Quais foram os melhores destinos que vocês visitaram?
Natalie – Sonhávamos em conhecer Marrocos, Cote d’Azur e a Ásia.
Robson – Gostamos muito também de Barcelona. Temos uma lista de lugares pelos quais passamos e nos quais toparíamos morar. Barcelona está em primeiro lugar.
ÉPOCA – Qual país vocês acharam mais parecido com o Brasil?
Robson – Em Portugal, notamos o “jeitinho brasileiro” de contornar regras igual ao que existe no Brasil.
Natalie – O povo turco tem hábitos parecidos com os nossos. Eles gostam de sentar para comer, conversar e beber – no caso, chá.
ÉPOCA – O que mais surpreendeu vocês durante essas viagens?
Natalie – Encontramos muita bondade por aí. Tanta gente nos tratou com imenso carinho ao ouvir a nossa história. Gente que nos ajudava sem pedir nada em troca. Também aprendi a viver com menos bem material. É engraçado porque, às vezes, vejo um item de decoração para vender e penso “nossa, isso ficara lindo na nossa casa”, mas aí me lembro que, agora, nosso lar é onde estamos naquele momento. Cada um de nós tem uma mala de 15 quilos, peso máximo permitido pela maioria das empresas aéreas para voar em classe econômica, e outra bagagem de mão, na qual levamos aparelhos eletrônicos e artigos pessoais. Por isso, nem podemos comprar lembranças pelos países que visitamos porque não temos onde guardar. A única recordação, além das fotos e das nossas próprias memórias, são os cartões-postais que enviamos para nossa família.
>> Como fazer a mala perfeita
ÉPOCA – E a maior decepção? Qual foi?
Robson – Marrakech!
Natalie – Sim, Marrakech! Era para ser um sonho e acabou virando um pesadelo. Vimos muita pobreza, pessoas doentes e sujeira. A pior parte foram os mosquitos: tomei 20 picadas no mesmo dia e só melhorei depois de três dias. O idioma foi uma barreira forte – sentíamos que estávamos sempre sendo passados para trás (Natalie e Robson falam português, inglês, espanhol e um pouco de italiano).
Robson – Na Turquia aconteceu um episódio engraçado. Estávamos na cidade de Izmir e eu havia decorado como pedir água em árabe e, quando falei para o garçom, ele me trouxe leite! As palavras “água” e “leite” soam muito parecidas no idioma ... e acabamos comendo pizza com leite! [risos]
ÉPOCA – Do que vocês mais sentem saudade no Brasil?
Natalie – Nossas famílias, amigos e animais. A falta da comida brasileira até dá para resolver indo ao mercado e tentando reproduzir. Mas os hábitos que tínhamos, como tomar café com a família, isso é insubstituível.
Robson – Tentamos simular essa conexão com os novos amigos que vamos fazendo ao longo das viagens. Os outros “travel bloggers” [blogueiros que rodam o mundo] viraram nossa nova família.
Natalie – O problema é que também precisamos nos despedir deles pouco tempo depois de nos conhecermos. Nos apegamos muito rápido e depois é uma choradeira para dar tchau.
ÉPOCA – Como essa experiência mudou o jeito como vocês veem o mundo?
Robson – A facilidade de percorrer o mundo diminui a distância geográfica. O planeta parece menor e os países mais próximos uns dos outros.
Natalie – Antes eu achava viajar difícil. Hoje, entendo que só é preciso ter foco e ir aonde você quer. Além disso, é diferente ser turista e viajante. Turistas têm sempre pressa em conhecer aquilo do que ouviram falar. Já os viajantes conseguem dedicar mais tempo a desfrutar o momento e conhecer a realidade local.
>> Como fazer a mala perfeita
Robson – Também ficamos mais espertos sobre como fazer reservas, achar a melhor oferta e programas bacanas. Descobrimos muitos lugares conversando com pessoas que encontramos pelo caminho, além de dicas que lemos em blogs. Sabemos agora por exemplo que, na Europa, existe o free walking tour, em que universitários mostram os pontos turísticos da cidade de graça. Comprar ingressos online costuma nos livrar de filas. “Furada” é um termo relativo, mas acredito que hoje conseguimos evitar algumas usando tudo isso que aprendemos.
ÉPOCA – Já sabem para onde vão em seguida?
Natalie – Semana que vem vamos para o Camboja. Ficamos na Ásia até março e temos passagens marcadas para ir de Bangkok a Istambul. Em abril, voltamos para a França. Queremos fazer um roteiro agora de carro e tentaremos visitar nossa família em dezembro de 2015.
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