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2 de novembro de 2014

Interestelar: há lágrimas além das estrelas

Christopher Nolan inova a ficção científica e faz a plateia chorar com a Teoria da Relatividade, de Einstein

IVAN MARTINS
Matthew McConaughey como Cooper: os sentimentos além da galáxia (Foto: Foto/ Divulgação)
 
As primeiras cenas de Interestelar mostram a Terra exaurida. Tempestades de areia assolam o campo, cobrem a paisagem e as pessoas de poeira. Num futuro próximo, a natureza deixou de ser pródiga e a humanidade encolhe e definha, vulnerável. Não parece haver esperança. Nesse cenário devastado, apresentam-se o herói – Cooper, um piloto tornado fazendeiro – e sua família. Eles estarão no centro da trama durante mais de duas horas e meia de projeção, separados por uma barreira intransponível, a Teoria da Relatividade, de Albert Einstein. Ele mostrou que a vida no espaço, a velocidades astronômicas e condicionada por forças gravitacionais extraordinárias, é regida por outra realidade temporal. Essa ideia sempre fascinou os diretores de cinema, mas nunca, até agora, fora usada com efeito dramático tão espetacular. Para fazer chorar. É como se o diretor Christopher Nolan fosse o primeiro a filmar um homem caindo de um prédio para mostrar o efeito emocional da lei da gravidade. Assustador e inesquecível.
Interestelar é um filme de enorme ambição e realização grandiosa. Seu orçamento farto, estimado em US$ 200 milhões, permitiu locações improváveis na Groenlândia, a construção de três naves espaciais em tamanho quase natural e a reunião de um elenco estelar. Matthew McConaughey é Cooper, em mais um trabalho de ator maduro. Jessica Chastain, como sua filha Murphy, embeleza e comove. Anne Hathaway, a cientista Brand, está discreta. O papel de pai dela coube a um dos atores favoritos de Nolan, o velho Michael Caine. O diretor se dá ao luxo de usar Matt Damon num papel secundário, assim como de dispensar efeitos especiais. Seus atores se movem em tempestades de neve reais, pilotam naves e cenários que sacodem e interagem com robôs reais, interpretados por um ator especializado em dar vida a objetos inanimados. “Quanto mais filmes você faz, mais confiante se torna em experimentar com aquilo que tem”, diz Nolan, diretor da milionária trilogia Batman e do bem-sucedido Origens. “Apenas experimentando você consegue encontrar soluções diferentes.”
Anne Hathaway e Matthew McConaughey em cena de Interestelar: cientistas poderosas, como em Contato (Foto: Foto/ Divulgação)
A experimentação com hipóteses científicas e efeitos especiais é a marca dos filmes de ficção científica – e o futuro, seu elemento crucial. Desde 1960, quando o diretor inglês George Pal contou a história do lorde inglês que viaja ao futuro em A máquina do tempo (leia o quadro ao lado), esse virou um tema obsessivo do cinema. Há algo de mágico na possibilidade de escapar de um presente claustrofóbico para uma utopia de máquinas cintilantes. Ou ele colocar na tela uma distopia sombria que faça a audiência repensar suas ações e seu planeta no presente. Dentro desses limites, a ficção científica, abastecida pela melhor ciência disponível, tornou-se um lugar privilegiado para pensar o destino humano. É o último reduto da utopia, assim como a Cassandra que alerta para os riscos que assomam no horizonte. Interestelar tem o pé nas duas tradições. Começa com a Terra à beira da extinção e aponta para os desafios científicos das viagens interestelares. Faz isso sem tirar os olhos daquilo que cativa as audiências: amor, família, sacrifício. Lembra Steven Spielberg, sem os exageros sentimentais.
O tempo voa (Foto: AFP (5) e divulgação)
As grandes referências para Interestelar são dois filmes adorados pelos fãs de ficção científica: 2001 – Uma odisseia no espaço, de 1968, e Contato, de 1997. Do primeiro, Nolan bebeu a atmosfera espacial e certo clima lisérgico para descrever as alterações do espaço e do tempo, além das interações inquietantes entre homens e computadores. De Contato, extraído de um livro do físico Carl Sagan (1934-1996), emerge o protagonismo de ciência e cientistas na história. De mulheres, sobretudo. Nolan quer nos convencer de que não estamos diante de meras fantasias, mas de extrapolações plausíveis a partir de sólidas teorias da física. O roteiro eletrizante, escrito por ele e por seu irmão Jonathan Nolan, foi concebido com a ajuda do físico teórico Kip Thorne, que já trabalhara como consultor em Contato. Há buracos negros, buracos de minhoca, tempo-espaço e outros elementos da astrofísica moderna. Soa convincente.
Nolan disse em algum momento que gostaria de estimular as viagens espaciais. Seu filme passa uma mensagem otimista de volta ao espaço. Nos últimos anos, a ficção científica foi sequestrada por visões extremamente negativas do futuro. De Jogos vorazes (2012) a Oblivion (2013), desfilam cenários de destruição física e espiritual. A Terra do cinema perdeu o rumo e parece fadada ao naufrágio solitário, em meio ao cosmo indiferente. Interestelar recusa essa direção. Recupera para o futuro o sentido épico das viagens ao espaço e da exploração científica. Põe no centro da trama homens capazes de resolver problemas monumentais, mesmo ao custo de sacrifícios irreversíveis. Numa metáfora histórica de longo alcance, Nolan busca nas paisagens devastadas dos Estados Unidos do tempo da Grande Depressão a inspiração estética para seu planeta agonizante. A sugestão é clara: há esperança, é possível recomeçar, reconstruir e avançar em direção às estrelas. Ou, pelo menos, tentar. Se o recado de resistência ainda não estiver suficientemente claro, o poema “Do not go gentle into that good night”, do galês Dylan Thomas, repetido ao longo do filme, sublinha o essencial:
Não entre tão
docilmente nessa noite boa.
Que a velhice arda
e brade ao término do dia.
Luta, luta contra
o apagar da luz que finda.

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