Christopher Nolan inova a ficção científica e faz a plateia chorar com a Teoria da Relatividade, de Einstein
IVAN MARTINS
As primeiras cenas de Interestelar mostram a Terra exaurida.
Tempestades de areia assolam o campo, cobrem a paisagem e as pessoas de
poeira. Num futuro próximo, a natureza deixou de ser pródiga e a
humanidade encolhe e definha, vulnerável. Não parece haver esperança.
Nesse cenário devastado, apresentam-se o herói – Cooper, um piloto
tornado fazendeiro – e sua família. Eles estarão no centro da trama
durante mais de duas horas e meia de projeção, separados por uma
barreira intransponível, a Teoria da Relatividade, de Albert Einstein.
Ele mostrou que a vida no espaço, a velocidades astronômicas e
condicionada por forças gravitacionais extraordinárias, é regida por
outra realidade temporal. Essa ideia sempre fascinou os diretores de
cinema, mas nunca, até agora, fora usada com efeito dramático tão
espetacular. Para fazer chorar. É como se o diretor Christopher Nolan
fosse o primeiro a filmar um homem caindo de um prédio para mostrar o
efeito emocional da lei da gravidade. Assustador e inesquecível. Interestelar é um filme de enorme ambição e realização
grandiosa. Seu orçamento farto, estimado em US$ 200 milhões, permitiu
locações improváveis na Groenlândia, a construção de três naves
espaciais em tamanho quase natural e a reunião de um elenco estelar.
Matthew McConaughey é Cooper, em mais um trabalho de ator maduro.
Jessica Chastain, como sua filha Murphy, embeleza e comove. Anne
Hathaway, a cientista Brand, está discreta. O papel de pai dela coube a
um dos atores favoritos de Nolan, o velho Michael Caine. O diretor se dá
ao luxo de usar Matt Damon num papel secundário, assim como de
dispensar efeitos especiais. Seus atores se movem em tempestades de neve
reais, pilotam naves e cenários que sacodem e interagem com robôs
reais, interpretados por um ator especializado em dar vida a objetos
inanimados. “Quanto mais filmes você faz, mais confiante se torna em
experimentar com aquilo que tem”, diz Nolan, diretor da milionária
trilogia Batman e do bem-sucedido Origens. “Apenas experimentando você consegue encontrar soluções diferentes.”
A experimentação com hipóteses científicas e efeitos especiais é a
marca dos filmes de ficção científica – e o futuro, seu elemento
crucial. Desde 1960, quando o diretor inglês George Pal contou a
história do lorde inglês que viaja ao futuro em A máquina do tempo
(leia o quadro ao lado), esse virou um tema obsessivo do cinema. Há
algo de mágico na possibilidade de escapar de um presente claustrofóbico
para uma utopia de máquinas cintilantes. Ou ele colocar na tela uma
distopia sombria que faça a audiência repensar suas ações e seu planeta
no presente. Dentro desses limites, a ficção científica, abastecida pela
melhor ciência disponível, tornou-se um lugar privilegiado para pensar o
destino humano. É o último reduto da utopia, assim como a Cassandra que
alerta para os riscos que assomam no horizonte. Interestelar
tem o pé nas duas tradições. Começa com a Terra à beira da extinção e
aponta para os desafios científicos das viagens interestelares. Faz isso
sem tirar os olhos daquilo que cativa as audiências: amor, família,
sacrifício. Lembra Steven Spielberg, sem os exageros sentimentais.
As grandes referências para Interestelar são dois filmes adorados pelos fãs de ficção científica: 2001 – Uma odisseia no espaço, de 1968, e Contato,
de 1997. Do primeiro, Nolan bebeu a atmosfera espacial e certo clima
lisérgico para descrever as alterações do espaço e do tempo, além das
interações inquietantes entre homens e computadores. De Contato,
extraído de um livro do físico Carl Sagan (1934-1996), emerge o
protagonismo de ciência e cientistas na história. De mulheres,
sobretudo. Nolan quer nos convencer de que não estamos diante de meras
fantasias, mas de extrapolações plausíveis a partir de sólidas teorias
da física. O roteiro eletrizante, escrito por ele e por seu irmão
Jonathan Nolan, foi concebido com a ajuda do físico teórico Kip Thorne,
que já trabalhara como consultor em Contato. Há buracos negros, buracos de minhoca, tempo-espaço e outros elementos da astrofísica moderna. Soa convincente.
Nolan disse em algum momento que gostaria de estimular as viagens
espaciais. Seu filme passa uma mensagem otimista de volta ao espaço. Nos
últimos anos, a ficção científica foi sequestrada por visões
extremamente negativas do futuro. De Jogos vorazes (2012) a Oblivion (2013),
desfilam cenários de destruição física e espiritual. A Terra do cinema
perdeu o rumo e parece fadada ao naufrágio solitário, em meio ao cosmo
indiferente. Interestelar recusa essa direção. Recupera para o
futuro o sentido épico das viagens ao espaço e da exploração científica.
Põe no centro da trama homens capazes de resolver problemas
monumentais, mesmo ao custo de sacrifícios irreversíveis. Numa metáfora
histórica de longo alcance, Nolan busca nas paisagens devastadas dos
Estados Unidos do tempo da Grande Depressão a inspiração estética para
seu planeta agonizante. A sugestão é clara: há esperança, é possível
recomeçar, reconstruir e avançar em direção às estrelas. Ou, pelo menos,
tentar. Se o recado de resistência ainda não estiver suficientemente
claro, o poema “Do not go gentle into that good night”, do galês Dylan
Thomas, repetido ao longo do filme, sublinha o essencial:
Não entre tão
docilmente nessa noite boa.
Que a velhice arda
e brade ao término do dia.
Luta, luta contra
o apagar da luz que finda.
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