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1 de novembro de 2014

O desmatamento da Amazônia secou São Paulo?

BRUNO CALIXTO


Desmatamento da Amazônia (Foto: Arquivo/MMA)
Reserva Jaguari-Jacareí, na divisa de São Paulo com Minas Gerais. Parte do Sistema Cantareira, o reservatório está com menos de 10% de sua capacidade (Foto: Luis Moura / Parceiro / Agência O Globo)
Enquanto a forte seca que afeta São Paulo continua, levando os reservatórios que abastecem milhões de pessoas ao colapso, muitos pesquisadores buscam as causas para a estiagem. Uma das hipóteses que apareceu nos últimos dias é de que o desmatamento da Amazônia tem relação direta com o a seca em São Paulo. Segundo essa hipótese, a derrubada desenfreada de árvores fez com que a Amazônia parasse de enviar umidade para o continente, e por isso não está chovendo no Sudeste. Será que podemos dizer que as motosserras do Norte secaram São Paulo?
Em tese, o desmatamento da Amazônia pode secar o resto do Brasil. Isso porque parte das chuvas de São Paulo surge a partir de umidade que vêm de lá. O pesquisador Antonio Nobre, do Inpe, explicou como funciona esse sistema ao apresentar o relatório O futuro climático da Amazônia, na quinta-feira, em São Paulo. As árvores da Amazônia transpiram e liberam vapor de água, formando nuvens. Essas nuvens são exportadas para o resto da América do Sul. Elas viajam pelo ar ladeando a cordilheira dos Andes, até chegar no Sul e Sudeste do Brasil e países como a Argentina, gerando as chuvas. São os rios voadores. Os modelos climáticos mostram que, se a destruição da Amazônia continuar, ela pode chegar a um ponto em que sua capacidade de exportar essas nuvens seja comprometida.
Acontece que esse cenário ainda não foi observado - felizmente. A Amazônia sofreu nas últimas décadas e cerca de 20% de toda a floresta já foi desmatada, mas ainda assim ela continua enviando umidade para o restante do continente. O que aconteceu é que, no último ano, essa umidade foi desviada no meio do caminho e não chegou em São Paulo.
O meteorologista Alexandre Nascimento, do Climatempo, conversou com o Blog do Planeta sobre o fenômeno. Segundo ele, no último verão, em novembro, dois bloqueios atmosféricos se formaram, um no Pacífico Sul e outro entre o Paraná e o Sudeste brasileiro. "É uma grande bolha de água quente que se forma em determinada região. As frentes frias se deslocam e, ao encontrar essa bolha, se desviam". Graças a esses dois bloqueios, tanto as frentes frias que vêm do Sul quanto a umidade da Amazônia não chegaram em São Paulo. "Esses bloqueios foram os grandes vilões do último verão". A previsão é que o fenômeno não se repita neste verão.
Mas mesmo que nós não soubessemos que a seca é causada por um fenômeno meteorológico, bastaria um pouco de lógica para perceber que o desmatamento da Amazônia não pode ser uma causa direta da seca. A Amazônia está sendo desmatada há mais de quatro décadas. Se isso já estivesse comprometendo as chuvas, estaríamos em uma situação muito mais complicada. E o Sudeste estaria secando gradualmente nos últimos 40 anos, na medida que a Amazônia foi perdendo vegetação. 
O fato de o desmatamento da Amazônia não ter influência na seca do Sudeste agora não é desculpa para a devastação. Isso não significa que devemos ficar tranquilos com as motosserras e tratores derrubando a Amazônia. O desmatamento é sim um problema. Segundo os cálculos de Nobre, para se ter uma ideia, a Amazônia perde mais de 2 mil árvores por minuto. 
Porém, se estivermos procurando uma devastação ambiental que agravou a crise de água, ela está bem mais próxima de São Paulo. É a destruição da Mata Atlântica. A reportagem de ÉPOCA visitou propriedades na região da Cantareira e constatou, sem grande surpresa, que as nascentes que estão desmatadas secaram, enquanto que as que têm florestas preservadas ainda têm água, mesmo com a seca. Os 500 anos de destruição da Mata Atlântica levou o bioma a ter apenas 7% de sua cobertura florestal original. Reflorestar e recuperar essas matas é uma forma inteligente de garantir o abastecimento de água no futuro.

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