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1 de novembro de 2014

Por que as candidatas a presidente não abordaram as questões das mulheres

Dilma Rousseff, Marina Silva e Luciana Genro não levantaram bandeiras tipicamente femininas durante a campanha. Será que deveriam?

LEDA MACHADO*


Durante a campanha eleitoral ouvi dois comentários que me intrigaram. O primeiro: “Temos três candidatas mulheres e nenhuma delas traz em suas propostas de programas de governo uma agenda explícita sobre as questões que afetam as mulheres”. O segundo: “É bom termos novamente uma mulher como presidente. As mulheres são mais honestas que os homens”.

Os comentários me chamaram atenção por que podem nos levar a algumas conclusões. O primeiro comentário, nos permite concluir que as candidatas por serem mulheres deviam ter as questões das mulheres como parte de sua agenda.
Contudo, de qual mulheres estamos falando? Da mulher brasileira? É possível falar da mulher brasileira?

Não, não é. Caso fosse possível concluiríamos que  todas as mulheres brasileiras enfrentariam as mesmas questões quanto à condição feminina, teriam os  mesmos interesses, as mesmas prioridades. Não há uma mulher brasileira.  Existem várias mulheres brasileiras. Temos diferença de idade, classe social e etnia. Assim, temos necessidade e interesses diferentes.

Quer dizer que não temos nada em comum? Não, o que quer dizer é que temos   sim alguns interesses em comum. O que temos em comum são os  interesses de gênero. Eles  podem ser práticos ou estratégicos.

Os práticos dizem respeito a situação de fato da mulher. Em geral são as mulheres as responsáveis pelo bem estar da família.  São os interesses em resposta  a uma necessidade imediata, como ter condições de  alimentar seus filhos.

Já os interesses estratégicos visam tornar as relações de gênero mais equitativas como por exemplo a remoção das formas institucionalizadas de discriminação, dificuldades do mercado de trabalho e políticas sobre a legalização do aborto.

Quando do desenho de políticas públicas ou ações relativas a incorporação de gênero, cuidado deve ser tomado para que elas não acabem por reforçar os papéis de gênero ao invés de repensá-los.

Exemplo: um curso só para executivas com horário diferente do horário do curso regulamentar (já existente) para permitir que as mulheres levem os filhos à escola. Esta ação reforça a ideia de que o cuidado com os filhos é responsabilidade das mulheres. Ou seja, a criança não é uma questão do casal, da sociedade. Uma ação que poderia ter consequências mais abrangentes seria o curso começar a ser realizado na hora já estabelecida e propor a discussão entre todos os participantes, mulheres e homens, sobre a questão do horário. Esta discussão seria mais rica quanto as relações de gênero.  Inclusive alguns homens poderiam deixar claro que gostariam de levar ou buscar os filhos na escola.

Algumas empresas já praticam isto. Tem como política flexibilidade de horário para seus funcionários.  Os executivos (mulheres e homens) da Volvo no Brasil  podem ir levar ou buscar os filhos na escola. Ou seja, é assumido que o cuidado com as crianças compete as mães e aos pais.

Imaginem que durante o curso de executivos houvesse a discussão sobre o horário e se chegasse a conclusão que não só as mulheres queriam levar os filhos mas também os homens.

O curso, por um acordo dos participantes em geral, muda de horário. Parece simples, mas provoca uma mudança significativa. Neste grupo de executivos (mesmo que pequeno), houve um entendimento que o cuidado dos filhos é de responsabilidade exclusiva da mãe. Ele é compartilhada. Ou seja houve uma redefinição do papel de mãe. O atendimento dos interesses práticos pode levar aos interesses estratégicos.

Voltando à questão das candidatas.

Qual “mulher” deveria ser o foco das políticas com relação as políticas de gênero?
Como trabalhar ambos os interesses? Esta questão merece um debate envolvendo os homens. Mas como incorporá-los?


Outra conclusão é que não se espera que os candidatos homens tenham alguma preocupação com os interesses das mulheres. Este entendimento não seria reducionista? Os homens realmente não têm preocupação quanto às questões do gênero feminino? Não têm eles filhas, irmãs, companheiras, mães? Como já mencionado, não seria importante que eles estivessem envolvidos? Não seria este o caminho para que as mudanças que levem à equidade de gênero andem mais rápido?

Outra conclusão possível  seria que a sociedade brasileira já atingiu a equidade de gênero. Mas, apesar de progressos terem sido feitos, estamos longe dessa realidade. Existem questões que ainda o Brasil não enfrentou totalmente. O direito ao aborto, violência contra a mulher, alívio do trabalho doméstico e do cuidado com as crianças, assédio sexual, para mencionar alguns.


Quanto ao segundo comentario, sobre as mulheres serem mais honestas, de onde ele vem? A imagen é que as mulheres são menos corruptas. Ou seja, a honestidade se deve  à condição de ser mulher.  Isso faz sentido? A participação da mulher na política institucional é menor. Na Camara Municipal de São Paulo são 5 mulheres entre 57 vagas. No Senado Federal, 10 entre 81 vagas. No Congresso Nacional, 45 entre 518. E as mulheres ocupam cargos com menos poder em posições que não estão no centro das grandes decisões.  Desta maneira elas em geral não estão no centro da corrupção. Assim tem-se a impressão que as mulheres são mais honestas, menos corruptas.

Pesquisas que argumentam que a mulher é mais honesta e menos corrupta não tem uma amostragem significatica já que a incidência da mulher na política ainda é pequena. Não há dados fortes o suficiente para concluirmos que as mulheres são mais honestas e menos corruptas.

A imagem que ainda persiste é que as mulheres são boas por natureza, são sensíveis, são preocupadas com o bem comum. Isto é uma construção social ligada a capacidade da mulher de gerar uma criança, com a capacidade da mulher ser mãe. Esta capacidade santifica a mulher. Mulheres como homens são sujeitos sociais, fazem escolhas. Algumas mulheres, como alguns homens, são desonestas e violentas.

Quando tivermos enfrentado as questões das diferenças e tivermos conseguido construir uma relação de gênero equitativa, veremos o outro como diferente,  com suas especificidades. O que importará será a nossa humanidade. Quando entendermos que cada um de nós é muito mais do que o gênero a que pertencemos  poderemos dizer que temos a possibilidade de atingirmos nosso potencial.

Como disse Margareth Mead: “Se desejamos de verdade enriquecer a nossa cultura, fazê-la mais rica em valores contrastantes, devemos reconhecer toda a gama do potencial humano. Devemos tecer uma tela social em que cada pessoa, com seus diversos dons possa encontrar um lugar específico”.

O triste é não termos visto nenhum candidato que tenha incorporado a questão de gênero em seu programa de governo. O mais supreendente é que tivemos três candidatas mulheres com interesses de gênero (práticos ou estratégicos)  em comum.  Seriam eles tão fracos  para estarem presentes nas propostas de governo, ou  tão  fortes que se estivessem presentes  provocariam a perda de  votos? Pena. Quem perde não são só as mulheres mas a sociedade brasileira como um todo.
*Leda Machado é socióloga e diretora da LMachado Desenvolvimento Organizacional e Profissional

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