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31 de janeiro de 2015

"Foxcatcher": O homem que amava os fortões

O filme conta a história trágica do milionário que montou um time de lutadores e perdeu o juízo

IVAN MARTINS


DUETO: Channing Tattum  e Steve Carell em   cena de Foxcatcher. O filme parece realista, mas cria uma versão dos fatos (Foto: Foto/ Divulgação)
Quando John Eleuthère du Pont morreu, em dezembro de 2010, seu testamento estipulava que 80% de seus bens iriam para um atleta búlgaro de luta greco-romana. Os restantes 20% ficariam com uma organização ecológica no Extremo Oriente. Os sobrinhos – ele não tinha filhos ou mulher – contestaram, afirmando que o milionário passara seus últimos anos jurando ser o Dalai Lama, Jesus Cristo e o czar da Rússia, alternadamente. A Justiça ignorou a alegação de insanidade e manteve a vontade do morto, cuja fortuna se contava em centenas de milhões de dólares. Esse homem de ancestrais ilustres, mente perturbada e biografia trágica é o protagonista de Foxcatcher - Uma história que chocou o mundo, estrelado sem gracejos pelo comediante Steve Carell. Com maquiagem pesada, voz em falsete e nariz postiço, ele parece a reencarnação do du Pont original. O filme foi indicado a cinco Oscars.
A atenção que Foxcatcher provocou nos Estados Unidos era previsível. Lá, todos conhecem a história de Du Pont e dos irmãos Schultz, medalhistas de ouro em luta greco-romana. O herdeiro da empresa química criadora da Lycra, do Teflon e do Kevlar, resolveu investir na montagem de um time de luta olímpico. Em troca de contratos generosos num esporte pobre, exigia ser tratado como mentor da equipe, embora fosse apenas um amador pretencioso. Os lutadores moravam em sua propriedade e estavam sujeitos às flutuações mercuriais de seu humor – movido a álcool, drogas e uma boa dose de sexualidade introvertida. Essa situação explosiva constitui o núcleo do filme, ancorado no dueto entre du Pont e Mark Schultz, interpretado por Channing Tattum. Mark escreveu o livro de memórias no qual o filme se baseia. Numa entrevista recente, disse que du Pont era apaixonado por Valentin Yordanov, o lutador búlgaro que herdou sua fortuna.
Nada disso faz parte do filme de formato realista dirigido por Bennett Miller. Ele condensa a relação de dez anos entre os irmãos e du Pont em cenas que enfatizam o caráter despótico do milionário e o enorme poder que seu dinheiro e sobrenome lhe conferiam. Du Pont é mostrado como um idiota desesperado por afeto e reconhecimento. Na vida real, foi menos caricato. Doutorou-se em ornitologia e escreveu seriamente sobre pássaros. Foi filantropo e museólogo. Sua relação esquisita com os lutadores parece ter sido influenciada por alguma forma de esquizofrenia, segundo concluiu a Justiça americana. O filme silencia sobre isso. Mostra um rico mimado que brinca com as pessoas e as descarta com frieza. É uma versão dos fatos embalada como realidade. Du Pont morreu como um monstro na cadeia, mas parece não ter sido apenas a criatura patética que o filme sugere.

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