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2 de fevereiro de 2015

Estreante na Globo, Perfeito Fortuna fala sobre patriarca de ‘Felizes para sempre?’: 'O cara já começa broxa e corno'

Figura conhecida da cena cultural carioca, ele assume sua insegurança como ator: 'Falei para o Fernando Meirelles: 'Cara, eu sou ruim! Mando mal!'

POR THAÍS BRITTO



Perfeito Fortuna posa na Fundição Progresso, na Lapa
Foto: Fabio Seixo

RIO - O último personagem que Perfeito Fortuna fez no teatro com a trupe do Asdrúbal Trouxe o Trombone era Dionísio, o deus grego do vinho e do teatro. Na encenação, Perfeito aparecia no fim do espetáculo, saía pela plateia e não voltava mais para o palco.
— Para fazer o Dionísio, eu tive que parar de fumar, começar a meditar... Eu achava que tinha que me elevar para fazer um deus. E ele é o deus da alegria, da festa. A sensação que eu tive no fim é que eu saí e não sabia mais voltar para o palco para fazer isso. Comecei a fazer a festa na vida, começou a partir de mim. Fui atuar na rua e não no palco. É como se o palco tivesse ficado pequeno — explica.
Naquela época, Perfeito abraçou a vida de agitador cultural. Deu nova cara ao cenário musical do Rio de Janeiro criando o Circo Voador, no início dos anos 1980. Depois de um desentendimento com os sócios, passou um período numa tribo indígena no Acre, onde ajudou no resgate da cultura local. Mais tarde, assumiu a Fundição Progresso e, há cerca de 10 anos, contribui também para o ressurgimento do carnaval de rua da cidade. Agora, outro Dionísio marca mais uma virada importante na vida de Perfeito. Em sua estreia como ator na Globo, ele é Dionísio Drummond, o patriarca da família que protagoniza a minissérie “Felizes para sempre?”, cujos cinco capítulos finais vão ao ar esta semana, de segunda a sexta, depois do “BBB15”.
— Claro que é uma homenagem ao Dionísio de Oliveira, o ator que fez a primeira versão. Mas é uma grande coincidência! De repente é isso... O Dionísio está voltando para o palco para representar e não mais para ser.



Perfeito e Fernando Meirelles, diretor-geral de “Felizes para sempre?”, já se conheciam por aí. Fernando era fã do trabalho do “Asdrúbal”, gostou da “atuação” de Perfeito no documentário “A farra do circo” (2014), os atores de “Cidade de Deus” ensaiavam na Fundição... Mas o convite foi recebido com imensa surpresa.
— Falei para ele: “Cara, eu sou ruim! Mando mal!”. Eu era ator, mas hoje em dia é diferente. Eu vivo num turbilhão, não tenho a calma necessária para decorar, estudar um papel. Aí ele sugeriu que eu fizesse um teste. Eu fiz e ele adorou (risos). Era eu mesmo.
A insegurança foi quebrada aos poucos pelo trabalho com o diretor e a equipe da O2, que “é um primor”. Mas Perfeito tomou uma decisão:
— Eu me dei esse direito. Uma amiga me falou: “O principal tem que ser fazer essa série. Pelo menos enquanto estiver nisso, não dá bola para o resto”. E eu consegui. Antes eu via uma câmera e ficava nervoso, e dessa vez não fiquei, cara! Eu me surpreendi, foi como se não ela não estivesse ligada. E trabalhar com essa galera foi diferente. Mesmo nos que estavam acostumados, dava para notar, havia a sensação de que a gente estava fazendo uma coisa nova, não era mais um negócio. Foi incrível.
Durante a sessão de fotos, no dia seguinte à exibição do primeiro capítulo, Perfeito já brincava para deixar para trás a insegurança. Cumprimentava funcionários da Fundição perguntando: “E aí, viu a série ontem?”. O novo status de “celebridade” também era motivo de piada.

— Eu estou tão feliz que até comprei esse óculos Ray Ban novo para tirar uma onda quando for reconhecido na rua — gargalha. — Que nada, sabe o que eu fazia quando fiz meu primeiro filme? Era “A rainha diaba”. Eu ia para o cinema e ficava parado do lado da minha fotografia para ver se as pessoas me reconheciam. Ficava me exibindo! Mas ninguém me reconhecia não (risos).
O alto astral do ator, aliás, não combina em nada com a personalidade de seu personagem, um homem conservador e durão que anda amargando problemas no casamento.
— Eu sou engraçadinho, né?, então a tendência para mim é fazer graça. Mas ele não tem nada de humor. O cara já começa broxa e corno. Demorou para eu fazer um negócio na Globo, e quando entrei é assim. Já cheguei derrotado (risos). O Dionísio é careta mesmo, e machão. Então ele fica danado porque não está conseguindo, porque ele gosta da mulher. Mas o pau não sobe. E aí? Tem o remédio, mas ele é macho demais para isso. Ele ainda está discutindo essas coisas!
Mas se Perfeito faz graça das características do personagem, ele teve momentos realmente difíceis durante as gravações.
— Tive que aprender a atirar, porque tem cena de tiro. Nossa... Era um ambiente. Me levaram um dia antes para eu aprender e poder fazer a cena. Eu passei mal com aquele revólver na mão. Porque ali é onde a polícia vai treinar, onde os caras que matam vão treinar. O ambiente era como aquelas fotos de matadores, galera da época do SNI. Essa é a turma do Dionísio. O cara era cadete da repressão policial na ditadura. Só que nessa época eu estava preso. Minha parada era o contrário, em 1968 eu estava em cana. Não foi fácil gravar isso não.
A família Drummond em "Felizes para sempre?" - TV Globo/Ricardo Matsukawa
“Felizes para sempre?” não é o primeiro trabalho de Perfeito na TV. Ele estreou em 2005 na Record, na novela “Prova de amor”, de Tiago Santiago, e fez participações em produções da emissora, como “Caminhos do coração” (2007), “Mutantes” (2008) e “Máscaras” em 2012.
— Em “Prova de amor”, era para ser uma participação de dois dias. Nunca tinha gravado na vida, achava que tinha que dizer todas aquelas falas de uma vez, ficava nervoso, não conseguia decorar. O personagem foi tão bem que fiquei na novela e criaram até cenário para mim. Me dei bem, me contrataram por um dinheiro legal. E aí depois disso eu fiquei ruim (risos).
Não foi bem o caso de ficar ruim, ele explica. Mas faltou, na época, a tal dedicação exclusiva. Perfeito passava por um momento difícil na Fundição Progresso.
— Estava cheio de números na cabeça, dívidas, isso aqui era uma confusão. Eram 240 processos na Justiça, tudo penhorado, juiz levando dinheiro aqui na porta, a gente fugindo com coisa escondida, barra pesada mesmo. E eu fazendo novela! Com a cabeça cheia, os textos não entravam. Eu via aqueles atores lá esperando, reclamando do cansaço, dormindo entre uma cena e outra. E eu ligadão, trabalhando quando podia, vendo verbas, com a cabeça em outro canto.
FUNDIÇÃO TEM BAILE DE CARNAVAL
Hoje a Fundição vai muito bem, obrigado. E é por isso que, agora, ele pode tirar um tempinho para se dedicar à atuação quando quiser. Por enquanto, Perfeito vai se ocupar mesmo é do carnaval. Sua fantasia já está pronta e pendurada em seu escritório — é um São Sebastião misturado com Dom Sebastião e com Oxóssi. E é com ela que, hoje à noite, ele comanda, a partir das 19h, um baile de carnaval na casa da Lapa. O evento marca a final do já tradicional concurso de marchinhas, que completa 10 anos em 2015 e será transmitido ao vivo pelo “Fantástico”.
— O carnaval é a festa mais importante da nossa cultura disparado. E no Rio, na minha juventude, o carnaval de rua ficou escroto. Incentivou-se muito o Sambódromo, que é espetacular, mas é para assistir. Não é o nosso, o que a gente participa, o que a gente canta. Por isso as marchinhas. O Boitatá e o Céu na Terra inspiraram o concurso que, no fim, não animou tanto a trazer marchinhas novas, mas puxou uma onda do carnaval de rua. Nos últimos 10 anos foi uma mudança imensa.
Passada a folia Perfeito pode, quem sabe, pensar em novas possibilidades na TV. Apesar da insegurança, ele parece ter, enfim, se animado com o ofício.
— Como diz a minha filha, eu queria ser isso, desde pequeno. Queria fazer teatro, TV. Isso está se apresentando. Claro que sei que agora não vou ser o maior sucesso, ser um galã velho. Até porque o galã velho é um galã novo que envelheceu, né? Não dá para começar de velho (risos). Não posso chegar agora e já querer sentar na janela. Mas vi o primeiro capítulo e achei normal, não estou destoando. E me sinto muito orgulhoso de estar junto com essa turma.


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