Faz sentido processar a Sabesp para conseguir fugir do racionamento?
Um advogado conseguiu que a Justiça proibisse a Sabesp de cortar a água em sua casa. Para advogados, no entanto, a medida não deve se tornar um precedente jurídico
BRUNO CALIXTO
A política da Sabesp de reduzir a pressão da água nos encanamentos atinge a maior parte da Grande São Paulo, e muitos moradores reclamam da falta de água em alguns períodos. Nesse contexto de crise, um advogado conseguiu vencer a Sabesp na Justiça. Uma decisão proíbe a empresa de interromper a água na casa dele.
A decisão, interpretada por alguns como injusta por atender apenas um consumidor em detrimento ao interesse público, pode criar um precedente: e se outros consumidores, se sentido lesados pelas decisões do governo, processarem a Sabesp? ÉPOCA conversou com dois especialistas em direito ambiental para saber o que acontece. Os dois acreditam que, no atual cenário de crise, os consumidores terão poucas chances de conseguir decisões favoráveis.
Walter Hellmeister Júnior, especialista em direito ambiental da Trench, Rossi e Watanabe Advogados
ÉPOCA - A decisão da Justiça que proibiu a Sabesp de reduzir a pressão da água de um consumidor pode se tornar um precedente?
Walter Hellmeister Júnior - Eu acredito que não. Eu tenho a impressão que o que aconteceu foi que a Sabesp subestimou essa ação quando ela começou, em maio do ano passado, segundo a imprensa, e deixou isso correr solto. Porque se ela tivesse recorrido, muito provavelmente teria conseguido derrubar a liminar. É provável que comecem a pipocar pedidos no Judiciário, e eventualmente vamos ter alguma decisão como essa. Mas imagino que o tribunal vá adotar uma postura mais conservadora, porque o cobertor é pequeno, não tem água pra todo mundo. Se não racionalizar e organizar o acesso à água, não tem jeito. Eu não vejo nenhuma perspectiva de se manter essa sentença ou isso virar jurisprudência para que possa ser utilizada por outros consumidores.
Walter Hellmeister Júnior - Eu acredito que não. Eu tenho a impressão que o que aconteceu foi que a Sabesp subestimou essa ação quando ela começou, em maio do ano passado, segundo a imprensa, e deixou isso correr solto. Porque se ela tivesse recorrido, muito provavelmente teria conseguido derrubar a liminar. É provável que comecem a pipocar pedidos no Judiciário, e eventualmente vamos ter alguma decisão como essa. Mas imagino que o tribunal vá adotar uma postura mais conservadora, porque o cobertor é pequeno, não tem água pra todo mundo. Se não racionalizar e organizar o acesso à água, não tem jeito. Eu não vejo nenhuma perspectiva de se manter essa sentença ou isso virar jurisprudência para que possa ser utilizada por outros consumidores.
ÉPOCA - Nesses casos, não há um conflito entre o direito individual, de ter água, e o direto coletivo?
Hellmeister - A rigor, trata-se de um direito difuso: todo mundo tem direito a acesso a esse bem ambiental que é a água. Portanto, ele obteve uma vantagem individual em detrimento do resto da sociedade. Pela Constituição, a água é um bem ambiental de uso comum do povo. Ninguém, individualmente, detém a propriedade dela. Quando alguém entra na Justiça tentando obter esse tipo de vantagem, está na verdade - entre aspas - privatizando a água.
Hellmeister - A rigor, trata-se de um direito difuso: todo mundo tem direito a acesso a esse bem ambiental que é a água. Portanto, ele obteve uma vantagem individual em detrimento do resto da sociedade. Pela Constituição, a água é um bem ambiental de uso comum do povo. Ninguém, individualmente, detém a propriedade dela. Quando alguém entra na Justiça tentando obter esse tipo de vantagem, está na verdade - entre aspas - privatizando a água.
ÉPOCA - Os consumidores podem usar o argumento de que não foi decretado um racionamento oficial e entrar na Justiça para garantir água em suas casas?
Hellmeister - Esse argumento já foi usado em uma liminar que barrou a sobretaxa da água. Na decisão que derrubou essa liminar, o desembargador diz que em nenhum momento a lei federal, a Política Nacional de Recursos Hídricos, fala com todas as letras que precisa decretar racionamento oficial. Foi uma construção do Ministério Público e de algumas ONGs. É uma interpretação, não é algo que você consegue extrair diretamente da leitura da lei.
Hellmeister - Esse argumento já foi usado em uma liminar que barrou a sobretaxa da água. Na decisão que derrubou essa liminar, o desembargador diz que em nenhum momento a lei federal, a Política Nacional de Recursos Hídricos, fala com todas as letras que precisa decretar racionamento oficial. Foi uma construção do Ministério Público e de algumas ONGs. É uma interpretação, não é algo que você consegue extrair diretamente da leitura da lei.
Luiz Gustavo Bezerra, advogado especializado em meio ambiente do Motta, Fernandes Rocha Advogados
ÉPOCA - O consumidor pode entrar na Justiça contra o governo ou a Sabesp para não sofrer racionamento?
Luiz Gustavo Bezerra - O consumidor tem o direito de fazer o pedido, entendendo que o seu direito de consumidor está sendo lesado. Mas com a crise generalizada, será mais difícil ver juízes de primeira instância concedendo liminar. Na medida em que a crise vai ficando mais clara, as ações do governo vão sendo organizadas e divulgadas de uma forma mais evidente, haverá menos espaço para esse tipo de ação. Houve espaço para esse tipo de ação no momento em que o governo negava a crise hídrica. O consumidor poderia apresentar um pedido ao juízo alegando que a crise hídrica não existia. Na medida em que a questão fica cada vez mais evidente, com a divulgação pela imprensa e com os próprios órgãos governamentais dizendo que vão ter sim de ser implemntadas medidas de racionamento ou uso racional dos recursos hídricos, os juízes vão ficando desincentivados a conceder esse tipo de liminar.
Luiz Gustavo Bezerra - O consumidor tem o direito de fazer o pedido, entendendo que o seu direito de consumidor está sendo lesado. Mas com a crise generalizada, será mais difícil ver juízes de primeira instância concedendo liminar. Na medida em que a crise vai ficando mais clara, as ações do governo vão sendo organizadas e divulgadas de uma forma mais evidente, haverá menos espaço para esse tipo de ação. Houve espaço para esse tipo de ação no momento em que o governo negava a crise hídrica. O consumidor poderia apresentar um pedido ao juízo alegando que a crise hídrica não existia. Na medida em que a questão fica cada vez mais evidente, com a divulgação pela imprensa e com os próprios órgãos governamentais dizendo que vão ter sim de ser implemntadas medidas de racionamento ou uso racional dos recursos hídricos, os juízes vão ficando desincentivados a conceder esse tipo de liminar.
ÉPOCA - Outros tipos de consumidores, como empresas, podem conseguir liminares na Justiça?
Bezerra - Questões de utilidade pública se sobrepõem ao direito do consumidor. Mas liminares podem ser deferidas, por exemplo, para hospitais, escolas, outros interesse públicos que não atendam apenas um consumidor isoladamente. Um hospital querendo garantir uma quantidade mínima de água pode entrar com uma medida preventiva, para garantir que não falte água para o tratamento de pacientes. As próprias empresas de abastecimento, como a Sabesp, têm um tratamento diferenciado para esses serviços. Não importa se é um hospital privado ou público. Hospitais privados também fazem um atendimento que é fundamental para a sociedade.
Bezerra - Questões de utilidade pública se sobrepõem ao direito do consumidor. Mas liminares podem ser deferidas, por exemplo, para hospitais, escolas, outros interesse públicos que não atendam apenas um consumidor isoladamente. Um hospital querendo garantir uma quantidade mínima de água pode entrar com uma medida preventiva, para garantir que não falte água para o tratamento de pacientes. As próprias empresas de abastecimento, como a Sabesp, têm um tratamento diferenciado para esses serviços. Não importa se é um hospital privado ou público. Hospitais privados também fazem um atendimento que é fundamental para a sociedade.
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