One Direction: sangue pela música pop
Em protesto contra a saída de um dos integrantes da banda britânica, adolescentes praticam cutting (automutilação) coordenado pela internet
JÚLIA KORTE
A saída de Zayn Malik, 22 anos, da banda One Direction partiu o coração de muitos adolescentes. Na quarta-feira passada, dia 25, as redes sociais mostraram a resposta: adolescentes de 8 a 15 anos criaram a hashtag “cut4Zayn” (corte por Zayn), que vinha acompanhada de fotos. Uma garota anônima mostrou seu antebraço cortado, pingando sangue, sobre uma superfície cheia de desenhos de Zayn. A legenda da foto: “Se minhas lágrimas não são suficientes para você, meu sangue vai ser”.
Junto com ela, a internet foi tomada por milhares de fotos vindas do planeta inteiro mostrando efeitos da automutilação. Algumas extremamente gráficas. Para conseguir a atenção do ídolo, outros publicaram vídeos cortando o próprio pescoço de maneira não letal e encorajando outros a fazer o mesmo. “Quando mais rápido vocês cortarem seus pulsos mais rápido Zayn vai voltar”, diziam. Há até registros de mensagens “Eu te amo Zayn” escritas com lâminas sobre a pele, de crianças de apenas dez anos. O músico não se manifestou.
Além de se cortar, as fãs usaram Twitter, Tumblr, Vine ou Facebook para expressar seu desalento, por meio de vídeos, cartas, desenhos e fotos. A frase em inglês “I’M CRYING” (estou chorando, em letras maiúsculas, o que significa desespero) estava sendo compartilhada entre quatro e seis tuites por segundo. Alguns usuários da rede diziam que choravam na escola, nos carros, em locais públicos e, claro, nos próprios quartos — verdadeiros santuários da banda teen, com as paredes forradas de pôsteres.
Na página do Facebook da banda, que foi curtida por 37 milhões de pessoas (mais que a população do Canadá), o anúncio da saída provocou 215 mil comentários. A maioria com pedidos para Zayn retornar ao grupo. “Para os jovens na cultura atual, a identificação com figuras públicas é de tal ponto que o jovem se vê totalmente retratado por eles ou o ídolo: o melhor de mim que ainda não sou. Quando há a separação de uma banda, o fato é considerado uma traição inaceitável pelos fãs adolescentes”, diz Miguel Perosa, professor de psicologia da PUC-SP.
Que banda é essa, afinal? O One Direction, ocasionalmente abreviado para 1D, é uma banda pop formada pela versão britânica do reality show musical The X Factor. Eles terminaram em 3º lugar, mas o sucesso de público foi tamanho que a banda acabou quebrando recordes mundiais. O 1D é o primeiro grupo em 59 anos a ter quatro álbuns estreando como número 1 na Billboard. Foram mais de 23,7 milhões de músicas baixadas legalmente.
O maior hit, “What Makes You Beautiful”, foi vendido mais de 4,7 milhões de vezes, segundo a Nielsen Music. No YouTube, eles somam mais de 3 bilhões de visualizações. E, em 2014, foram mais de US$ 290 milhões de lucros em turnê, superando artistas como Justin Timberlake, Rolling Stones e Katy Perry. Além disso, entraram para o livro dos recordes, o Guinness Book, por serem os primeiros britânicos a permaneceram no topo da Billboard 200 por mais de 15 semanas. Não é a toa que foram comparados aos Beatles.
O fenômeno dos ídolos adolescentes existe na sociedade há meio século e não deve acabar tão cedo. Mas os astros agora precisam lidar com o comportamento online de fãs com os hormônios na Lua. A automutilação é um dos distúrbios que mais cresce entre adolescentes. Segundo dados do Sistema Nacional de Saúde britânico, os casos de pessoas com idade entre dez e 14 anos que foram tratadas em hospitais depois de, deliberadamente, terem se cortado, ultrapassou os 2.700 entre 2012 e 2014. Na faixa etária de 15 a 19 anos, o aumento no mesmo período foi de 23%.
No mundo, um a cada cinco adolescentes de 15 anos se corta, de acordo com dados da organização mundial Health Behaviour in School-Aged Children. É o triplo desde 2005. “A autoflagelação está na moda hoje em dia. É uma agressão física para consolidar os valores dos jovens. É um mal, pois demonstra uma identidade frágil e dependente”, afirma Miguel Perosa, professor de psicologia da PUC-SP. “Mas os músicos não tem responsabilidade sobre isso”.
Por que não simpatizar um pouco mais com os sentimentos de milhões de fãs adolescentes que têm de lidar com essa “perda”? O potencial de repercussão desse tipo de fenômeno é enorme. Muitos encararam como uma brincadeira. Para as crianças e adolescentes que vão guardar a cicatriz o resto da vida, não é. Eles sangram para valer, e não apenas metaforicamente.
Por que não simpatizar um pouco mais com os sentimentos de milhões de fãs adolescentes que têm de lidar com essa “perda”? O potencial de repercussão desse tipo de fenômeno é enorme. Muitos encararam como uma brincadeira. Para as crianças e adolescentes que vão guardar a cicatriz o resto da vida, não é. Eles sangram para valer, e não apenas metaforicamente.
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