Ao Vivo

31 de maio de 2015

A história que construímos

Especial de aniversário de 17 anos de ÉPOCA volta a 1985

JOÃO GABRIEL DE LIMA
Capa edição 886 (Foto: Divulgação/ÉPOCA)
ÉPOCA acaba de completar 17 anos. Para comemorar a data, resolvemos elaborar uma edição retrô. Edições retrô têm um charme nostálgico. Elas nos permitem lembrar que, no passado, já estiveram na moda o paletó com ombreiras (como o que o cantor David Byrne usa na foto abaixo), o topete com laquê e os biquínis asa-delta (pensando bem, é melhor esquecer essas coisas...). Mas edições retrô não provocam apenas risos ou constrangimento. Levam, também, à reflexão. Ao olhar para o passado e compará-lo com o presente, constatamos quanto fomos capazes de caminhar.
David Byrne, expoente do movimento New Wave  (Foto: Ebet Roberts/Redferns)

Ao apertar o botão da máquina do tempo, era necessário escolher a que ano regressaríamos. Entre todos os aniversários que se comemoram em 2015, um é especialmente significativo: os 30 anos da democracia brasileira. Por isso, decidimos ambientar nossa edição retrô em 1985. Sob o comando do editor executivo Guilherme Evelin e do editor Marcelo Moura, os jornalistas da revista produziram uma ÉPOCA que poderia ter saído em 1985, se ÉPOCA existisse em 1985. Os textos, claro, são ficcionais, baseados em fatos jornalísticos, e com algumas referências bem-humoradas aos tempos atuais. A identidade visual ficou a cargo de Alexandre Lucas, diretor de arte multiplataforma de ÉPOCA. Ela é resultado de uma ampla pesquisa sobre os anos 1980 – segundo Lucas, “uma das épocas mais esfuziantes do design gráfico”.

Em 1985, éramos um país provinciano. Os brasileiros conseguiram organizar um festival de rock espetacular, o primeiro Rock in Rio – e o jornal A Voz da Unidade desmereceu a proeza, classificada como “megalomania subdesenvolvida que se alia ao avançado esquema multinacional das gravadoras”. Faltou alguém dizer aos veteranos do partidão, como Mick Jagger faria: “It’s only rock’n’roll, baby”. Mas em 1985 tudo era distorcido pela lente da Guerra Fria. Até o “príncipe da esquerda”, Fernando Henrique Cardoso, sofreu com o patrulhamento. Ele perdeu uma eleição à prefeitura de São Paulo graças ao estigma de comunista perigoso. Na propaganda eleitoral, foi comparado a uma melancia: verde e amarelo por fora, vermelho por dentro.
Fernando Henrique Cardoso candidato à prefeitura de São Paulo  (Foto: Sílvio Correa/Agência O Globo)
Em 1985, era inimaginável ver um corrupto preso. Hoje, o país se orgulha de ter colocado atrás das grades alguns – pelo menos alguns – políticos poderosos. Nos anos 1980, o dragão da inflação era considerado invencível, tantas as vezes que rechaçou as lanças dos ministros da Fazenda. Hoje, quando o monstro ameaça sair da toca – nos momentos em que o descontrole das contas públicas puxa os preços para cima –, há um grande movimento para domá-lo. O cavaleiro andante da vez é Joaquim Levy, e sua lança se chama ajuste fiscal. O país acompanha atento a sua saga, com a confiança de quem já conseguiu se livrar do bicho uma vez.  

Em 1985 achávamos que Madonna era uma artista descartável – e ela está aí até hoje. Que o comunismo estaria aqui até hoje – e ele foi descartado por uma juventude libertária que, num ato carregado de simbolismo, derrubou a marretadas o Muro de Berlim. Líamos Milan Kundera, assistíamos a Armação Ilimitada e ouvíamos rock, muito rock. Em 1985, o Brasil era um país imprevidente – e continua sendo. Ontem como hoje, por descaso das autoridades, faltou água no Estado de São Paulo. Em 1985 havia dúvida sobre coisas que hoje parecem óbvias – responsabilidade fiscal, importância da educação e a necessidade de cultivar uma economia próspera para combater a pobreza e a miséria brasileiras. Entre os poucos que enxergavam o óbvio estava o jornalista Paulo Francis (que, diga-se de passagem, também tinha seu lado jeca, como mostram suas opiniões sobre feminismo e cultura pop). Nesta edição, ele é “entrevistado” pelo colunista de ÉPOCA Helio Gurovitz. A entrevista fictícia foi construída a partir de trechos de artigos publicados por Francis na Folha de S.Paulo, alguns deles incluídos no livro Diário da Corte.
Em 1985, sobretudo, não havia unanimidade sobre a grande ideia que transformou o Brasil: a democracia. Falava-se muito numa suposta tendência autoritária dos brasileiros. Na música “Podres poderes”, o cantor Caetano Veloso criticava a “incompetência da América católica, que sempre irá precisar de ridículos tiranos”. A tal da “tendência autoritária”, no entanto, era apenas mais uma de nossas famosas unanimidades burras. Trinta anos se passaram, e o Brasil construiu uma democracia sólida, apesar de ainda jovem e imperfeita.

A democracia produziu pelo menos uma mudança radical na cultura do país. Os brasileiros sempre gostaram de atribuir aos outros – em geral aos governantes – a culpa por suas mazelas. Na democracia, essa desculpa não cabe mais. Os deputados, senadores, prefeitos, governadores e presidente que nos representam estão aí porque votamos neles. Se não são satisfatórios, podemos substituí-los a cada quatro ou oito anos. Numa ditadura, a História é construída por uma casta de usurpadores do poder. Numa democracia, quem constrói a História somos nós. Há 30 anos somos os responsáveis pelo país que vemos, há 17 anos, nas páginas – impressas e digitais – de ÉPOCA. Nós, da revista, temos orgulho de colaborar na construção de nossa democracia. E de fazer parte dessa história.
P.S.: E a história continua. Esta semana foi especialmente quente, com a prisão dos cardeais do futebol mundial e o rock pauleira do Congresso em Brasília. Depois de ler sobre 1985, você vai encontrar as notícias mais relevantes desta semana agitada de 2015 em ÉPOCA que chega às bancas neste sábado (30).

Nenhum comentário:

Postar um comentário