'Nossos sonhos foram calados', diz Dilma
sobre ditadura
Do UOL, em Brasília
A presidente Dilma Rousseff afirmou nesta segunda-feira (31), em cerimônia no Palácio do Planalto, que "o dia de hoje exige que nos lembremos e contemos o que aconteceu", em referência aos 50 anos do golpe militar de 1964.
De acordo com a presidente, 50 anos atrás o Brasil "deixou de ser um país de instituições ativas, independentes e democráticas e que por 21 anos nossa liberdade e nossos sonhos foram calados, mas que graças ao esforço de todas as lideranças do passado, dos que vivem e dos que morreram, foi possível ultrapassar os 21 anos de ditadura".
DEVEMOS LEMBRAR DO GOLPE POR TODOS QUE MORRERAM NA DITADURA, AFIRMA DILMA
A presidente Dilma Rousseff integrou os quadros da organização Colina (Comando de Libertação Nacional), grupo que lutou contra a ditadura e que tinha aparelhos (esconderijos) em Belo Horizonte. Segundo seus colegas da época, Dilma era "disciplinada e dedicada", e não chegou a pegar em armas.
Quando era militante do grupo Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), Dilma Rousseff ficou presa por quase três anos no presídio Tiradentes, em São Paulo. Neste período, sofreu 22 dias seguidos de torturas. Segundo uma ex-companheira de cela, Dilma era "culta e estudiosa" "oi uma das mais preparadas de nossa geração; tem a noção que um Brasil justo é maior que um sonho de juventude", diz Rose Nogueira, hoje líder do grupo Tortura Nunca Mais em São Paulo.
Veja abaixo o que a presidente disse sobre a efeméride durante o discurso:
"Eu queria lembrar algumas coisas. Em cada ação se reflete o sinal da sua época. Nessa ponte do Guaíba está refletido também o sinal de uma época que nós estamos vivendo, uma época diferente do nosso passado, não só como gaúchos, mas como brasileiros. A construção da ponte do Guaíba envolveu abaixo assinado de associações de moradores, de associações, as mais diversas da sociedade civil, envolveu campanhas nas rádios, nos jornais, na internet, mobilização de pessoas, mobilização nas câmaras de vereadores, nas prefeituras, reunião de técnicos do estado com o governo federal, auditorias de preços, licitação, acompanhamento dos órgãos de controle federais sobre a evolução da obra, o Ministério Público, o Judiciário. Enfim, foram cumpridos todos os ritos burocráticos que marcam o nosso país com instituições ativas, independentes e democráticas. Sinal dos tempos.
Cinquenta anos atrás, na noite de hoje, o Brasil deixou de ser um país de instituições ativas, independentes e democráticas. Por 21 anos, mais de duas décadas, nossas instituições, nossa liberdade, nossos sonhos foram calados. Hoje, nós podemos olhar para esse período, olhar justamente do ponto de vista dessa obra específica, mas que mostra toda a capacidade e o envolvimento de todas as instituições num clima de democracia. Nós podemos olhar para este período e aprender com ele, porque nós o ultrapassamos. O esforço de cada um de nós, o esforço de todas as lideranças do passado, daqueles que vivem e daqueles que morreram, fizeram com que nós ultrapassássemos essa época, os 21 anos.
Nós aprendemos o valor da liberdade, o valor de um Legislativo e de um Judiciário independentes e ativos. Aprendemos o valor da liberdade de imprensa, o valor de eleger pelo voto direto e secreto de todos os brasileiros governadores, prefeitos, de eleger, por exemplo, um ex-exilado, um líder sindical, que teria sido preso, que foi preso várias vezes, e uma mulher também que foi prisioneira. Aprendemos o valor de ir às ruas e nós mostramos um diferencial quando as pessoas foram às ruas demandar mais democracia. Aqui no Brasil não houve um processo de abafamento desse fato. O valor, portanto, de ir às ruas, o valor de ter direitos e de exigir mais direitos.
Embora nós saibamos que os regimes de exceção sobrevivem sempre pela interdição da verdade, pela interdição da transparência, nós temos o direito de esperar que, sob a democracia, se mantenha a transparência, se mantenha também o aceso e a garantia da verdade e da memória e, portanto, da história. Aliás, como eu disse quando instalamos a Comissão da Verdade, a palavra "verdade" na tradição ocidental nossa, que é grega, é exatamente o oposto do esquecimento e é algo tão forte que não dá guarida para o ressentimento, o ódio, nem tampouco para o perdão. Ela é só e, sobretudo, o contrário do esquecimento, é memória e é história. É nossa capacidade de contar tudo o que aconteceu.
O dia de hoje exige que nós nos lembremos e contemos o que aconteceu. Devemos isso a todos os que morreram e desapareceram, devemos aos torturados e aos perseguidos, devemos às suas famílias, devemos a todos os brasileiros. Lembrar e contar faz parte, é um processo muito humano e faz parte desse processo que nós iniciamos com as lutas do povo brasileiro, pelas liberdades democráticas, pela anistia, pela Constituinte, pelas eleições diretas, pelo crescimento com inclusão social, pela Comissão da Verdade, enfim, por todos os processos de manifestação e de ampliação da nossa democracia que temos vividos ao longo das ultimas décadas, graças a Deus.
Um processo que eu foi construído passo a passo durante cada um dos governos eleitos depois da ditadura. Nós reconquistamos a democracia a nossa maneira, por meio de lutas e de sacrifícios humanos irreparáveis, mas também por meio de pactos e acordos nacionais. Muitos deles traduzidos na Constituição de 1988. Como eu disse, na instalação da Comissão da Verdade, assim como eu respeito e reverencio os que lutaram pela democracia, enfrentando a truculência ilegal do Estado e nunca deixarei de enaltecer esses lutadores e essas lutadoras, também reconheço e valorizo os pactos políticos que nos levaram a redemocratização.
A grande [filósofa] Hanna Arendt escreveu um dia que toda dor humana pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história. A dor que nós sofremos, as cicatrizes visíveis e invisíveis que ficaram nesses anos, elas podem ser suportadas e superadas porque hoje temos uma democracia sólida e podemos contar nossa história.
Como eu disse, nesse Palácio, repito, há quase dois anos atrás, quando instalamos a Comissão da Verdade, eu disse: se existem filhos sem pais, se existem pais sem túmulos, se existem túmulos sem corpos, nunca, nunca, mas nunca mesmo, pode existir uma história sem voz. E quem da voz à história são os homens e as mulheres livres que não têm medo de escrevê-la. E acrescento: quem dá voz à história somos cada um de nós, que no nosso cotidiano afirma, protege, respeita e amplia a democracia no nosso país. Muito obrigada."
Exames de rotina
A declaração de Dilma foi feita em cerimônia no Planalto para assinatura do contrato para construção da ponte sobre o rio Guaíba, no Rio Grande do Sul.
A declaração foi dada após Dilma passar, na manhã dessa segunda-feira (31), por exames de rotina, segundo a Presidência da República, no Hospital das Forças Armadas, em Brasília. A assessoria do Planalto não deu mais informações sobre os exames nem sobre a saúde da presidente.
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