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1 de junho de 2014

Hoje quem manda é a Fifa

Regras para a realização da Copa do Mundo vão de restrição a venda de bebidas à exclusividade no uso de termos como "Brasil 2014"

ISABEL CLEMENTE E ANA LUIZA CARDOSO


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Manifestantes seguram faixa contra a Fifa em protesto em frente ao Estádio Mané Garrincha, em Brasília, na sexta-feira (30) (Foto: Eraldo Peres/AP)
Para insuflar ainda mais o mau humor geral nesta fase pré-Copa, o brasileiro conheceu de perto as rígidas exigências da Fifa. Elas vão da proibição de venda de bebidas num raio de até 2 quilômetros dos estádios à exclusividade no uso de expressões como Brasil 2014. Tanto nos jogos como nos arredores deles, quem manda é a Fifa. Dá para imaginar o torcedor brasileiro falando "Copa 2014" de lado e olhando pro chão, como na letra Apesar de você, de Chico Buarque?
Se for pego com ingresso comprado de cambista, o torcedor será barrado na catraca, diz a Fifa, embora ninguém saiba ainda como os fiscais da entidade poderão distinguir a origem da compra, caso o ingresso não seja falsificado, naturalmente. No país dos preços surreais, a Copa virou um combustível a mais para cobranças abusivas. O valor dos ingressos quem determinou foi a Fifa. Variou de R$ 60 (para quem conseguiu comprar) a R$ 1.980 – entrada para o jogo final.
Da onda inflacionária da Copa, não escaparam nem as figurinhas do álbum, febre nas escolas e nas esquinas. O disputado e raro cromo de Neymar sai a R$ 15 no mercado paralelo, embora na banca o pacotinho com cinco figurinhas custe R$ 1.
Os preços altos das camisas oficiais de jogadores e até torcedor – vendidas a R$ 300 e R$ 230 – são um estímulo para a pirataria, que vem sendo combatida em operações especiais da Receita Federal nos portos. Entre 19 de março e 19 de abril, a Receita apreendeu 718 mil itens falsificados, com nomes da Fifa, da Adidas em bolas e camisetas Nike. Tudo poderá ser incinerado ao final de um processo de perdimento.
Desde a publicação da Lei Geral da Copa, em junho de 2012, os símbolos oficiais e termos registrados pela Fifa não podem ser usados sem autorização da entidade. No total, somam 236 registros. Entre as expressões proibidas estão “Copa do Mundo”, “Copa 2014”, “pagode” (nome da fonte utilizada na marca da Fifa) e "Brasil 2014”.  Até o final de 2014, quem desrespeitar poderá ser multado ou detido.
Mas tem lugar onde a FIFA não controla tudo: o comércio popular do Rio. No Saara, cópias baratas de produtos verde e amarelo são oferecidas livremente.
“A senhora tem medo de receber uma advertência da Fifa?”
“Medo? Querida, aqui é o Saara, isso é Brasil”, disse a gerente de um estabelecimento, coalhado com dezenas de camisas penduradas com a estampa “Brasil 2014” – termo que pertence à Fifa durante a Copa.
Nas lojas vizinhas, bonés piratas feito em espuma no formato da mascote da Copa, o tatu Fuleco, vendidos a R$15. A réplica da taça do Mundial em gesso custa R$99.
“Ninguém quer saber se o produto é oficial. Elas querem preço baixo”, diz um vendedor do Saara.
Os preços altos no Rio inspiraram dois movimentos populares: o Rio Surreal e o "isoporzinho". A campanha Rio Surreal atraiu mais de 47 mil fãs no Facebook. A página dedica-se a alertar os leitores sobre a cobrança de preços abusivos e as iniciativas no sentido contrário. Uma dessas iniciativas é o movimento "isoporzinho", criado pelo VJ carioca Guilherme Tomáz, de 28 anos. Em janeiro, ele levou um susto ao receber a conta de R$100 de um bar em Botafogo, na Zona Sul da cidade. “Paguei caro por poucas cervejas quentes, serviço ruim e um refrigerante”, diz. Revoltado, convocou os amigos para um encontro na calçada diante dos bares, via redes sociais. Apareceram mais de cem pessoas munidas de engradados de cerveja e isopores com gelo. Guilherme agora planeja um encontro de isoporzinhos durante a Copa do Mundo. Mas ele sabe que, com a Fifa em campo, poderá encontrar dificuldades. Dentro das arenas, só entrarão produtos das marcas patrocinadoras assim como nas Fan Fests, eventos de transmissão de jogos pela cidade. Guilherme pretende encontrar uma brecha. “É importante ter isoporzinho durante a Copa do Mundo. Não é só questão de economia, mas de posicionamento. A Fifa está controlando a cidade, é um abuso”, diz. 
A lista de exigências quase ameaçou a tradicional festa popular da Rua Alzira Brandão, na Tijuca, conhecida como Alzirão. Desde 1978, torcedores se encontram na rua para festejar (ou chorar), beber e torcer. A festa foi se sofisticando, passou a contar com grandes telões para a transmissão dos jogos, patrocinadores e milhares de participantes. Como ela fica muito próxima ao Maracanã, quase que a Fifa impediu, até o prefeito Eduardo Paes entrar em campo.
A má vontade da Fifa pegou até as baianas vendedoras de acarajé em Salvador, que deveriam se manter a dois quilômetros de distância da Arena Fonte Nova. A queda-de-braço durou um ano e a Fifa recuou, dizem, depois de a própria presidente Dilma Rousseff ter interferido no assunto.
O presidente da Fifa, Joseph Blatter, está no Brasil a partir deste domingo (1º). Na sexta-feira (30), em entrevista publicada no site da entidade afirmou que Dilma e ele estão no mesmo barco. E, no comando da embarcação agora, está Blatter.

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