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1 de agosto de 2014

A aposentadoria do senador Pedro Simon

Aos 84 anos, ele poderia representar o velho na política. Sai dela com imagem oposta

MURILO RAMOS, DE PORTO ALEGRE E CAXIAS DO SUL
APOSENTADORIA O senador  Pedro Simon. “Não  costumo levar turma de prefeitos para jantar com Michel Temer ou Dilma” (Foto: Anderson Astor/ÉPOCA)
Numa fria manhã de domingo, o senador Pedro Simon tenta passear pela tradicional Feira do Brique, no Parque da Redenção, em Porto Alegre. Tenta. A cada cinco passos, é abordado por pessoas ansiosas para cumprimentá-lo. Recebem um sorriso e um aperto de mão. Até a estátua viva coberta por uma tinta prateada espessa sai de sua posição para saudá-lo. Alguns se apressam em pedir para fazer um selfie a seu lado. “Percebo que alguns hesitam em se aproximar. Não têm certeza se sou eu mesmo. Só costumam me ver pela televisão”, diz, num timbre tranquilo. Nos últimos 50 anos, Simon percorreu o parque pedindo votos para representar o povo gaúcho no Senado, no governo do Estado e na Assembleia Legislativa. Neste ano, seus passeios dominicais têm o tom melancólico da despedida. Simon desistiu de tentar mais uma candidatura ao Senado, onde está desde 1991, ininterruptamente. Antes, entre 1978 e 1986, já ocupara o cargo.

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– “Por que o senhor não será mais candidato ao Senado?” – pergunta ÉPOCA, durante o passeio naquele dia 22 de junho.

– “Maktub” – diz Simon, apenas. Maktub, em árabe, significa “está escrito”.

Estava escrito, mas dói. Dói porque, em todas as eleições que disputou desde a redemocratização do país, Simon fora aclamado candidato pelo PMDB do Rio Grande do Sul, em que é a principal estrela. E fora eleito com votações expressivas. Desta vez, algo mudou. Simon não foi aclamado. A tibieza de seus correligionários em indicá-lo o incomodou. “Fiquei magoado”, diz. Aos 84 anos, desistiu da disputa mesmo sabendo que, se quisesse impor sua candidatura, teria enormes chances de ser eleito novamente. “Não costumo levar turma de prefeitos para jantar com o Michel Temer nem com a Dilma. Também não imploro emendas parlamentares nem participo de cerimônias de entregas de equipamentos”, diz Simon. Ele, como a maioria dos brasileiros, está de mal com a política. Em especial, com o partido que ajudou a construir. Afirma que o MDB (nunca se refere à legenda como PMDB) virou um partido de segunda linha. “Não tem consistência. Não tem projeto. Foi sugado nos governos do PT e do PSDB. E o PT ainda quer esmagar o partido. Os caras não veem isso?”, diz.

Pela idade, Simon poderia representar o velho na política. Sai dela com imagem oposta: um político sério, íntegro, que manteve, por décadas, no que disse e no que fez, a coerência de seus princípios. Não é um santo – e nunca pretendeu ser. Seus defeitos, porém, não o impediram de estar do lado certo nos mais relevantes fatos políticos das últimas décadas. Filho de libaneses católicos radicados no Rio Grande do Sul nos anos 1920, Simon vive a política desde o fim do Estado Novo de Getúlio Vargas. Caçula e único homem de uma família de quatro irmãos, Simon se destacou ao longo da carreira pelos discursos firmes, indignados e norteados por algum princípio moral. A verve deles já aparecia no início da adolescência em Caxias do Sul, sua terra natal. “O Pedrinho vivia falando e perguntando”, afirma Paulo Bellini, colega de classe de Simon no Colégio Nossa Senhora do Carmo e fundador da Marcopolo, a maior fabricante de ônibus do mundo. “De vez em quando, o professor dava broncas e pedia silêncio a ele.”

Simon refinou sua oratória na faculdade de Direito, em Porto Alegre, quando começava na política. Na metade dos anos 1950, conheceu o ex-presidente Juscelino Kubitschek. Encantou-se com JK. Simon já sabia que queria ajudar a mudar o país. Em JK, reconhecera alguém que queria ser. Sua arma seria a oratória. “A oratória serve bem tanto a advogados quanto a políticos. Tem de comover e convencer, sejam os jurados ou os eleitores. Quem sabe fazer vira intérprete da verdade. Quem não sabe é tachado de histriônico”, diz Simon. Num depoimento sobre Simon, o grão-peemedebista Ulysses Guimarães elogiou o jeito de Simon falar e gesticular: “Fala com a goela, com os olhos, com as mãos, com o tórax convulso, baila com as pernas”.

Filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Simon candidatou-se ao cargo de vereador de Caxias do Sul no final dos anos 1950. Usava a mocidade como um de seus lemas na campanha. “Sangue novo para uma Câmara nova. Pedro Jorge Simon para vereador”, dizia um dos panfletos coloridos que Simon distribuía a eleitores e grudava nos postes da principal praça da cidade. Simon foi eleito. Assumiu o cargo em 1960, quando vereadores não recebiam salário. “Era uma época formidável. A democracia estava aberta. Discutíamos sobre todos os assuntos e percebíamos que tínhamos chances de traçar os rumos do país”, afirma.

A empolgação esfriou com o golpe militar de 1964. Próximo do então presidente João Goulart, o Jango, Simon acompanhou a angústia do conterrâneo diante da iminência do golpe. Com a cassação e o exílio de políticos do PTB, Simon, ainda “gurizote”, como gosta de dizer, tornou-se um dos principais nomes do partido no Estado. Por pouco tempo. O governo, por meio do Ato Institucional número 2, em 1965, extinguiu o pluripartidarismo e adotou o bipartidarismo. Havia a Aliança Renovadora Nacional (Arena), que dava sustentação ao regime militar, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que abrigava políticos que a ele se opunham. No final dos anos 1960 e início dos 1970, Simon usava sua experiência de advogado para ajudar presos políticos. Visitava delegacias de cidades gaúchas em busca de notícias de colegas capturados. Bancava festas de Natal para os filhos dos amigos presos pelo regime militar.

COM O CORAÇÃO À esquerda, panfleto de campanha de Pedro Simon nos anos 1950. À direita, ele discursa no enterro de João Goulart. “Simon fala com os olhos”, dizia Ulysses Guimarães (Foto: arquivo pessoal)

Em 1978, Simon chegou ao Senado. De Brasília, lutava pela abertura do país. Eram tempos em que a política, para aqueles que tinham princípios, era mais simples. Comportava opções morais confortáveis. Discutiam-se democracia e direitos individuais, não coisas como contabilidade criativa ou marketing de campanha. Diante da falta de políticos do MDB dispostos a comentar fatos da vida política brasileira, Simon era procurado insistentemente por jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo. Não perdia a chance de aparecer. “Quem esculhambava e dizia as coisas contra era o Pedro Simon”, afirma.

Na noite de 14 de março de 1985, Simon foi chamado com urgência ao Hospital de Base em Brasília, onde o presidente eleito Tancredo Neves convalescia, à espera do fim. Ao chegar, Simon encontrou, entre outros, o então presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães, o vice-presidente eleito, José Sarney, e o ministro do Exército, Leônidas Pires. Estavam lá para discutir o que fariam no dia seguinte. Tancredo não tinha condição de tomar posse. Decidiu-se que Sarney assumiria, apesar dos protestos de Simon. Ele preferia Ulysses interinamente – e novas eleições. “O Tancredo fez uma baita malandragem conosco. Morreu, pô! Nosso contrato tava todo certinho”, afirma. Simon fora indicado por Tancredo para ser ministro da Agricultura.

Em meio aos preparativos de última hora para a posse de Sarney, Simon cogitou renunciar ao cargo de ministro. Foi demovido por Ulysses. Amigo e correligionário de Simon, Ulysses, que o chamava de “Turquinho”, disse que a desistência dos ministros indicados por Tancredo poria em risco a transição democrática. “Quem dava garantia ao Sarney eram os ministros indicados por Tancredo. Sarney tinha sido da Arena. Assumiu numa aliança com o MDB. Se a gente sai, ele poderia colocar quem ele quisesse”, afirma. Apesar da contrariedade inicial, Simon ficou bem próximo de Sarney. “Ele cumpriu as promessas de Tancredo. Leu o discurso de Tancredo na posse, a anistia saiu, a Assembleia Nacional Constituinte foi convocada, a tortura terminou, e o processo foi adiante”, afirma Simon. Ele serviu como elo entre os políticos do PMDB e Sarney.

Até hoje, Simon procura poupar Sarney das críticas que, fosse Sarney de outro partido e tivesse Sarney outra trajetória, Simon certamente faria. Em 2009, quase houve uma ruptura. Simon subiu à tribuna para pedir que Sarney, então presidente do Senado, renunciasse ao cargo. Sarney era acusado de transformar a Casa num antro de nepotismo. Naquela sessão, o senador Renan Calheiros, do PMDB de Alagoas, disse que Simon tinha inveja de Sarney e queria ter sido escolhido vice-presidente na chapa de Tancredo Neves. A despeito dos atritos, Simon e Sarney nunca deixaram de se falar. No final do mês passado, Simon foi um dos primeiros a saber que Sarney desistira de concorrer ao Senado neste ano. “Quer dizer que dois dos maiores titãs da política brasileira se aposentarão ao mesmo tempo: Simon e Sarney. Um da Arena (Sarney) e um do MDB (Simon)?”, perguntou ÉPOCA. “Não. Um do MDB-MDB (Simon) e outro da Arena-MDB (Sarney)”, diz Simon, dando uma risada.

Simon é uma espécie em extinção e sabe disso. Seu último momento de relevância como articulador político transcorreu após o impeachment de Fernando Collor. No final de 1992, Itamar Franco, que assumira a Presidência, convidou Simon a assumir a Liderança do governo no Senado. Simon ajudou a unir Congresso e Planalto, para suavizar mais uma transição política que poderia ser traumática para o país.

Sentado no sofá bege da sala de visitas de seu apartamento em Porto Alegre, Simon fala sobre o futuro. O futuro envolve seu primogênito, Tiago Simon, candidato pelo PMDB a deputado estadual no Rio Grande do Sul. Ele está certo em seguir o caminho do pai? Simon permanece em silêncio e de olhos cerrados por seis segundos. Abre os olhos, já úmidos, e diz: “Ele deve dar mais atenção à família”. A resposta de Simon está carregada de significado. Um de seus filhos, Mateus, morreu aos 10 anos em 1984, vítima de um acidente de carro numa estrada gaúcha. Simon estava em Brasília, trabalhando. No ano seguinte, sua mulher, Tânia, que dirigia o carro no momento do acidente, morreu de depressão. Ela se culpava pela morte do filho. Com a aposentadoria e a mudança para Porto Alegre, Simon continuará convivendo com seu filho mais jovem, Pedro, de 20 anos, fruto do casamento com Ivete, e com Ana Clara, adotada pelo casal há dez anos. Pedro cursa Direito na mesma faculdade que o pai e os dois irmãos mais velhos (Tiago e Tomaz) estudaram: a PUC. Extremamente religioso desde a infância e discípulo da Terceira Ordem Franciscana desde 2000, Simon também poderá frequentar diariamente a Igreja de São Sebastião, ao lado do prédio onde mora. “Sou vizinho dele (numa referência a Deus)”, diz. 

Simon diz que acompanhará a campanha de Eduardo Campos e Marina Silva à Presidência da República em algumas viagens pelo país. Ele é um dos padrinhos da chapa e afirma que a dupla é a única capaz de pôr fim à política do toma lá dá cá. “Os governos de Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff só pensaram em cooptar o deputado do outro lado. Como? Trocando por ministério, cargo ou emenda. Virou um troca-troca. Esse é o grande escândalo do Brasil. É o fator número um da irresponsabilidade e da anarquia que vivemos.” De acordo com Simon, tudo começa com um governo que, em vez de se impor, compra. “E termina nos parlamentares que, em vez de exigirem o que é certo, se vendem.” Para Simon, “o país não aguenta mais essa política. Se não mudar, o país explodirá”. Outro que tentará surfar na popularidade de Simon é o candidato do PSB ao Senado Beto Albuquerque. “Simon não será meu cabo eleitoral. Será meu general eleitoral”, afirma. Albuquerque não vê a hora de circular com Simon na Feira do Brique.

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