Ao Vivo

1 de agosto de 2014

As promessas e os riscos do “Netflix dos livros”

Como o Kindle Unlimited, da Amazon, pode mudar nossa forma de ler

DANILO VENTICINQUE
Um dos assuntos mais comentados do mercado editorial nas últimas semanas foi o lançamento do Kindle Unlimited, um serviço de assinatura de e-books da Amazon. O modelo de negócio é semelhante ao do Netflix: por um pagamento mensal de US$ 9,99, usuários podem ter acesso a um acervo de 600 mil livros e ler à vontade.
O serviço ainda não está disponível no Brasil mas já começou a fazer barulho no exterior. As cinco principais editoras americanas ficaram de fora, provavelmente por discordar dos termos de contrato. Autores independentes reclamam das condições que lhe foram oferecidas: além de pagar menos do que outros sites semelhantes, como o Oyster e o Scribd, o Kindle Unlimited exige exclusividade. Quem quiser lançar seu livro por conta própria e colocá-lo no acervo do serviço da Amazon não pode vendê-lo em nenhum outro lugar. Com essas duas restrições, a vida dos independentes, que já não era fácil, tende a ficar ainda mais complicada.
Autores, editoras e livrarias têm se preocupado com a possibilidade de que o poder crescente da Amazon nas negociações afete a concorrência e seja prejudicial ao mercado no longo prazo. O lançamento do Kindle Unlimited aumentou essa preocupação. Mas e o leitor? Deve se preocupar ou ficar feliz com a possibilidade de pagar menos para ler mais?
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À primeira vista, o Kindle Unlimited só seria um bom negócio para leitores ávidos. Quem lê um livro por mês ou menos do que isso pode pagar menos e ter mais opções se comprar títulos avulsos pelo mesmo valor em vez de fazer uma assinatura mensal. Para quem gostaria de ler mais do que isso e reclama do peso dos livros no orçamento, a assinatura seria um ótimo investimento. Deve fazer sucesso principalmente entre os adolescentes, que devoram sagas de ficção juvenil uma atrás da outra. Volta e meia encontro nas redes sociais jovens que dizem ter ido à falência de tanto comprar livros. Com o Kindle Unlimited, a falência não é uma preocupação dos leitores – embora os autores e editores devam ficar um pouco preocupados.
Mesmo leitores menos vorazes podem acabar se beneficiando com o serviço. Uma assinatura mensal de livros é um incentivo financeiro para ler mais. A conta é simples: quanto mais livros lermos por mês, mais a compra terá valido a pena. Assinantes do Netflix original certamente passam por isso. Quantos de nós não passamos a ver mais filmes e séries para justificar o gasto com a mensalidade? Da mesma forma que o Netflix nos transformou em loucos por televisão, um "Netflix de livros" pode nos transformar numa geração de viciados por leitura.
O maior risco de serviços como o Kindle Unlimited para o leitor, discussões mercadológicas à parte, é o tamanho do acervo. 600 mil títulos disponíveis parece muito, mas é pouco perto dos quase 3 milhões de e-books à venda na Amazon, sem falar na infinidade de livros de papel disponíveis no site. O perigo é que, para não gastar mais do que os US$ 9,99 ao mês, os usuários acabem se restringindo apenas aos títulos oferecidos pelo Kindle Unlimited, sem buscar opções fora desse acervo. Assinantes do Neftlix, de novo, se identificarão com o problema. Quem nunca deixou de lado uma série que tinha vontade de ver só porque ela não estava disponível no Netflix? Se fizermos o mesmo com os livros, acabaremos nos tornando maus leitores. Um dos maiores e mais recompensadores prazeres de um leitor é a busca pelo próximo livro – aquele que escolhemos, entre milhões, para dedicar nossas próximas horas de leitura. A formação de um bom leitor é feita de centenas de escolhas como essa. Um acervo de 600 mil títulos é bom para começar a brincadeira, desde que saibamos a hora de pesquisar em outro lugar.

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