Ao Vivo

31 de agosto de 2014

Elas mandam no rap

Com letras polêmicas e uma atitude transgressora, que lembra os rappers
dos anos 1990, mulheres como Iggy Azalea dominaram o hip-hop

NINA FINCO E DANILO VENTICINQUE
OUSADA A australiana  Iggy Azalea  em foto de 2012, em Los Angeles.  Seu estilo despojado  e provocante  renovou o rap (Foto: Brooke Nipar/Contour  by Getty Images )
Desde que o rap foi criado nos anos 1960, na Jamaica, o estilo é dominado pelos homens. Grupos de rap como Run DMC, GrandMaster Flash, Furious Five e Zulu-Nation ganharam fama com letras notoriamente machistas. O cenário mudou pouco nas décadas seguintes. Apesar de exceções, como MC Lyte ou Missy Elliot, as mulheres no hip-hop eram tema, não protagonistas. Em 2013, o improvável aconteceu. Iggy Azalea, uma rapper branca de curvas generosas, nascida na Austrália, chamou a atenção das gravadoras. Um ano depois, ela conquistou as rádios e a internet com a canção “Fancy”, em parceria com a cantora Charlie XCX. Depois, quebrou recordes de venda e se tornou a líder de uma nova geração de mulheres no rap.
Amethyst Amelia Kelly, ou Iggy, nasceu na cidade litorânea de Sydney em 1990. Entrou em contato com o rap por meio da internet. Deslumbrada pelo estilo de vida dos artistas do gênero, ela começou a escrever as próprias músicas e decidiu, aos 13 anos, que se mudaria para os Estados Unidos para seguir carreira. Filha de pai pintor e mãe faxineira, não tinha dinheiro para sair de casa. Passou a ajudar a mãe a limpar quartos de hotéis. Com 16 anos, disse que passaria duas semanas com um amigo em Miami e viajou. Não voltou mais. De lá, Iggy seguiu viajando pelo sul dos Estados Unidos. Trabalhou como modelo em cidades como Atlanta e Houston. Em 2011, chegou a Los Angeles e gravou a mixtape Ignorant art. Àquela altura, seu dinheiro estava se esgotando e nada ainda de fama. Então veio o golpe de ousadia: ela decidiu gastar tudo o que tinha para gravar o clipe da canção “Pu$$y” (uma gíria para “vagina”, em inglês). No clipe da música, feito na varanda de uma casa típica de subúrbio americano, o 1,78 metro e os 62 quilos de Iggy aparecem num top listrado e calça amarela apertadíssima, enquanto lambe um picolé de forma apelativa. Foi impossível ignorar. O vídeo viralizou e chamou a atenção do rapper T.I., que virou mentor dela. No ano seguinte, Iggy assinou contrato com a gravadora Grand Hustle Entertainment. Seu primeiro álbum, The new classic, lançado em abril deste ano, estreou em terceiro lugar na lista da Billboard 200. Em seguida, ela se tornou a primeira mulher do hip-hop a ter duas músicas de sucesso entre as cinco mais ouvidas da lista Billboard Hot 100 – o single “Fancy” e a colaboração na música “Problem”, de Ariana Grande. Antes de Iggy, apenas os Beatles haviam feito o mesmo, em 1964.

Iggy (Foto: Divulgação)
Iggy foge de qualquer estereótipo do hip-hop. Além da aparência incomum, ela se veste com influências de personagens pin-ups dos anos 1950. Mistura o sexy ao gracioso. No modo de cantar, Iggy parece ter aprendido com as gravações que baixava em seu computador. Ela canta como os rappers dos anos 1990 e chega a imitar o sotaque sulista americano. Tenta apagar qualquer traço do marcante jeito de falar australiano. “Ela estudou e se tornou uma imitadora capaz, talvez não mais do que isso. Seu estilo lembra Nicki Minaj”, escreveu o crítico Jon Caramanica, no jornal The New York Times, citando outra rapper de peso.
Nos videoclipes, Iggy também segue um estilo já adotado por Nicki. Ambas apostam nas curvas acentuadas – Nicki tem 114 centímetros de quadril e 66 centímetros de cintura, enquanto Iggy tem 94 centímetros e 58 centímetros, respectivamente – e letras que falam de amor, sexo e da indústria da música. As duas disputam o topo das paradas. Em junho, depois de vencer a categoria Melhor Cantora de Hip-Hop pela quinta vez consecutiva, na premiação BET Awards, Nicki alfinetou a concorrente ao dizer: “Quando se ouve Nicki Minaj cantando, foi ela mesma que escreveu”. Era uma referência ao boato de que T.I. cria as letras de Iggy. A troca de farpas é comum nesse mundo. Entre homens, chegam a acabar em tiroteio. As meninas se comportam com mais classe e só trocam alfinetadas.

A nova cara do hip-hop (Foto: Getty Images (2) e divulgação (2))
O panorama do hip-hop mudou na última década. Kanye West e Jay-Z vêm fazendo músicas mais sofisticadas, com letras cheias de referências e produções multimilionárias. Fogem da simplicidade e das letras toscas do hip-hop clássico. Foi num retorno a essas raí­zes, com um rap despretensioso e cheio de atitude, que Iggy e outras rap­pers encontraram o sucesso (leia o quadro acima). Elas trazem aspectos que sumiam no rap americano: a lascívia, a autoafirmação e a ostentação. “Elas fazem parte de uma geração que redefine, a partir da valorização da diversidade, os papéis de gênero e de etnia”, afirma Ricardo Monteiro, professor de produção musical da Universidade Anhembi Morumbi. Segundo ele, essas mulheres fazem uma transformação estética e comportamental da música, sem abrir mão de suas raízes – e com apoio do público, que adora as canções que elas cantam. O mais novo clipe de Iggy, Black widow, com Rita Ora, estreou na semana passada e somou 3,5 milhões de visualizações em dois dias. Enquanto o rap masculino parece ter deixado o tradicional de lado, as mulheres aproveitam para encontrar seu lugar no hip-hop com algumas décadas de atraso. Não é à toa que o nome do disco de Iggy é The new classic (O novo clássico).

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