Ao Vivo

1 de agosto de 2014

Torcedores cordiais, eleitores bestiais

O mesmo torcedor que encantou os turistas envergonhou a nação ao xingar
a presidente

EUGÊNIO BUCCI
Há duas semanas, Dilma Rousseff reuniu 16 de seus 39 ministros para alardear que a tal “Copa das Copas” foi, por assim dizer, o êxito dos êxitos, graças ao governo federal, que seria, por assim dizer, o governo dos governos. Dilma exagera? Certamente. Mas não é a única. A oposição exagera mais.

Tão logo ela proclamou suas monumentais maravilhas desportivas, expoentes oposicionistas acorreram aos microfones para declarar que o mérito pelo sucesso do campeonato que a Fifa fez no Brasil não é do Palácio do Planalto de jeito nenhum, mas da iniciativa privada, que construiu os estádios, e do povo brasileiro, que animou a festa toda. Haja exagero. Haja cinismo. A iniciativa privada não precisou sequer ter iniciativa. Só entrou nessa porque a iniciativa foi do governo, que fez chover dinheiro público nos gramados. Agora, depois que a Copa deu certo, a mesma oposição que bombardeou quanto pôde o uso do Erário nas obras bilionárias vem acusar o governo de não ter feito nada. Se quisesse demonstrar um mínimo de coerência, teria de reconhecer que o Estado brasileiro ajudou, nem que tenha sido só pela generosidade dos financiamentos faraônicos, mas ajudou.

>>Qual candidato representa você?

Quanto ao povo, por favor, o povo não operou aeroportos (que se saíram muito bem), não cuidou da rede hoteleira, não planejou a segurança pública. O povo foi lá, torceu e recebeu os visitantes estrangeiros de braços abertos (no caso dos alemães e holandeses, recebeu-os de traves abertas também). Se a Copa no Brasil encantou o mundo inteiro, é claro que o governo contribui em alguma parte. Tudo bem que Dilma e seus ministros exageram no exagero a favor, mas a oposição, em seu exagero do contra, exagera ainda mais.

Se houvesse um pouco menos de mesquinharia no debate eleitoral, todos os candidatos à Presidência da República se apressariam em apontar os acertos do governo, não apenas na Copa. Não torceriam os fatos apenas para poder atacar a pessoa que ocupa o cargo que eles tanto cobiçam. Os candidatos de oposição não deveriam ficar só nisso. Deveriam saber que têm a obrigação de repudiar os xingamentos que a torcida dirigiu contra a chefe de Estado do Brasil na abertura e, principalmente, no jogo final do torneio da Fifa. Se a derrota do time brasileiro para a seleção alemã foi uma vexame futebolístico, a insistência dos palavrões contra Dilma foi um vexame cívico. Mas a oposição não se incomoda. Quando pressionada, lamenta as ofensas com ar de muxoxo, mas no fundo parece que gostou.

Os cidadãos que lotaram o Maracanã dia 13 de julho são cidadãos de duas caras. Com uma, de torcedor, esbanjaram simpatia e confraternizaram com os adversários; com a outra, de eleitor, agiram como selvagens ao xingar a mulher que a sociedade elegeu legitimamente para representar o Brasil perante o mundo. Como torcedor, o brasileiro encantou os turistas; como eleitor, envergonhou a nação. A ironia da história toda é que essa atitude é compatível com o que há de pior na política. No estádio, o cidadão encarnou o defeito moral que, dedo em riste, mais adora denunciar nos políticos que aí estão: ter duas caras. Por isso, talvez, os candidatos se mostram tão “compreensivos” com o cidadão que xinga a presidente – sentem-se diante de um igual.

Nessa matéria, ter duas caras, oposicionistas e governistas também são iguais. No início do governo Lula, ainda em 2003, o Palácio do Planalto inventou aquela história de que Fernando Henrique Cardoso deixara uma “herança maldita”. Com a outra cara, Lula manteve a mesmíssima política econômica e deu continuidade a políticas sociais inauguradas por FHC. Hoje, não é diferente. Os governistas de plantão garantem que Fernando Henrique é sinônimo de recessão, desemprego e miséria – uma mistificação escandalosa. Os oposicionistas acusam todos os que hoje atuam na administração federal de coonestar a roubalheira generalizada e o aparelhamento da Petrobras. Com a outra cara, juram que continuarão com o Bolsa Família.

O mais curioso é que todos, cidadãos de duas caras e políticos de duas caras, acham que ninguém percebe. Nos estádios, o sujeito que grita palavrões para a presidente se sente um anônimo total. Diluído na multidão, sente-se completamente invisível. No palanque, o político loquaz acredita que todo mundo em volta é bobo. Pensa que a lorota é receita do voto. Não sabe que, com sua esperteza de duas caras, corrói a vitalidade de que é feita a democracia.

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