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1 de outubro de 2014

O jeito certo de aumentar salários

O Brasil inova pouco. Por isso, cria empregos piores do que poderia e paga salários mais baixos. O que o próximo governo pode mudar nisso

VINICIUS GORCZESKI E MARCOS CORONATO
O engenheiro de materiais Marcelo Farah, de 40 anos, trabalha num ambiente de efervescência intelectual. Atua em projetos com tecnologias futuristas, que estarão maduras só daqui a décadas. Surpreende, então, que ele faça isso não num laboratório universitário, e sim numa empresa privada, comprometida com lucro e resultados no dia a dia. Farah é um “pesquisador especialista” na área de Inovação e Tecnologia da Braskem, maior empresa química da América Latina. Para um doutor como ele, o roteiro óbvio seria trabalhar na universidade. Trabalhar numa empresa foi um desvio de carreira, inesperado e feliz. “Sempre tive interesse em aplicar meu trabalho na prática”, afirma. Empregado e empresa encontraram-se num congresso, em 2004. A Braskem procurou a orientadora de Farah e pediu uma indicação de algum aluno que fosse profundo conhecedor da produção de polímeros. Farah foi indicado e contratado. Uma vaga desse tipo só existe porque a Braskem pertence ao distinto grupo das empresas inovadoras – aquelas que se propõem a prestar um serviço novo, ou a produzir algo novo, ou a produzir algo que já se vê por aí, mas de um jeito novo. Em qualquer nação, essas empresas são minoria. No Brasil, são pouquíssimas. O resultado é que o país cria empregos piores do que poderia, com salários menores, menos benefícios, estabilidade e perspectivas. O que nos leva à pergunta: o que a próxima ou o próximo presidente poderá fazer a respeito?
 
FUTURISTA O engenheiro Marcelo Farah,  na Braskem. A empresa abriu a ele novas opções profissionais depois que ele se mostrou inovador (Foto: Ricardo Jaeger/ÉPOCA)
A ligação entre inovação e empregos melhores ocorre por diversos caminhos. Organizações criativas (incluindo empresas, governos e ONGs) tendem a pagar mais e a mimar mais o funcionário, porque lucram ao descobrir mercados inexplorados, desperdiçam menos, vendem mais ou cobram mais pelo que vendem. Também abrem mais possibilidades de ascensão profissional, exigem que o funcionário estude mais e tornam esse funcionário mais cobiçado pelo mercado.
Um levantamento exclusivo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) para ÉPOCA mostra esse efeito. Vários tipos de técnicos, como projetistas e controladores de produção, ganham nas empresas inovadoras de 22% a 47% mais que a média de mercado. Os técnicos são os maiores beneficiados, mas não os únicos. “De forma geral, essas companhias pagam melhor a praticamente todos os tipos de profissionais”, afirma Rafael Lucchesi, diretor de Educação e Tecnologia da CNI. Desde 1979, em estudos separados, economistas avaliaram essa relação na Itália, com 3 mil empresas, na Espanha, com quase 1.300 empresas, e nos Estados Unidos, com dados de 24 setores. Todos afirmam que os efeitos podem ser alterados por fatores como leis que distorcem o mercado, pressões sindicais ou empresas que agem em conluio contra os assalariados. Mas as pesquisas concluíram, de forma geral, que mais inovação caminha lado a lado de: 1) empregos com maior estabilidade e mais benefícios; 2) maior abertura futura de postos de trabalho e ambiente mais favorável para pedir aumento; e 3) maiores salários para todos, principalmente para os mais qualificados. A pesquisa nos EUA incluiu uma ressalva cruel: quando o país perdeu participação na inovação global, seus salários relativos caíram. E caíram mais ainda entre os menos qualificados, os mais pobres. Reagir a esse desafio é responsabilidade de todo cidadão que trabalha, de toda empresa e também do governo. Porque inovação é daquelas poucas áreas – a exemplo de segurança, diplomacia e educação básica – em que o papel do Estado é fundamental.
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Isso ocorre pelo seguinte: uma empresa pode se arriscar, sozinha, a apresentar ao mercado uma novidade menor. Algo que, se der errado, permita um recuo indolor. É o caso de um restaurante que inclui no cardápio um prato inventado pelo chef. Se for um sucesso, o restaurante lucra, e o chef vira um astro. Se ninguém gostar, basta retirar o prato do cardápio. Mas novidades maiores, do tipo que transforma a sociedade, não funcionam assim. Elas demandam investimento muito alto, por muito tempo, com grande risco de não chegar a lugar nenhum – o tipo de empreitada que companhias privadas não aceitam enfrentar sozinhas. Grandes invenções, como a microeletrônica, a internet e o sistema de orientação global GPS, só existem porque houve investimento governamental. A mais veemente defensora dessa tese, nos últimos anos, é a economista italiana Mariana Mazzucato, autora do livro O Estado empreendedor. Várias das empresas mais inovadoras do Brasil, como a fabricante de compressores Embraco ou a desenvolvedora de software Totvs, receberam financiamento estatal. Outras, como a fabricante de aeronaves Embraer, nasceram como estatais.
Atualmente, o governo vai mal nessa área. Ele investe pouco e de forma irregular, segundo um levantamento inédito dos desembolsos feitos por 18 fundos setoriais do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). É desses fundos que sai o grosso dos investimentos dedicados a projetos inovadores em setores específicos. O levantamento foi feito pelo consultor Rogério Vianna, cientista da computação e ex-funcionário do MCT. O desembolso apresenta oscilações violentas, com quedas em momentos de crise global, entre 2001 e 2003, de 2010 para 2011 e de novo de 2012 para 2013. Com essa imprevisibilidade, não há projeto de pesquisa que resista. O investimento na criação das novidades, no Brasil, é baixo – da ordem de 1,2% do PIB, contra mais de 2% na maioria dos países inventivos, e os impressionantes 4,4% da Coreia do Sul, uma referência em evolução rápida nessa área. Ainda que o investimento continue modesto, ele precisa passar a ser estável, mesmo diante de cenários econômicos difíceis. “É no momento de crise que você precisa garantir o financiamento público. Aqui, é o primeiro gasto a ser cortado”, diz o consultor Reinaldo de Souza, outro ex-funcionário do MCT. Ele chefiou a área de captação de recursos para a inovação até abril. “Seria melhor o governo planejar um fluxo de recursos menor, mas estável, real, do que um fluxo grande, mas fantasioso.” Vianna, autor do levantamento, faz outra crítica importante. “Do dinheiro que é mesmo gasto, parte banca eventos e seminários sobre inovação. Isso não é pesquisa e desenvolvimento. Nos EUA, investem-se 2% do PIB na área, e o valor vai de verdade para a inovação. Aqui, todo mundo quer um bocadinho”, diz.
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O desafio de tornar o Brasil mais inovador passa pelos governantes (leia o quadro com as propostas dos principais candidatos à Presidência). A presidente e candidata à reeleição Dilma Rousseff acertou ao lançar o programa Start-Up Brasil, para beneficiar pequenas empresas promissoras e de base tecnológica. Mas apresenta agora um plano genérico, sem conexão com o que já foi feito nos últimos anos. O plano de Marina Silva dedica mais espaço ao tema. Ela herdou ideias de Eduardo Campos. Marina falha por apresentar ideias em excesso, sem meios nem metas objetivas. Aécio Neves deixou um legado como governador de Minas Gerais, ao iniciar a instalação de três parques tecnológicos. Mas seu plano se concentra demais em tecnologia (e inovação não é apenas tecnológica) e na universidade (sem esclarecer como aproximará academia e empresas).

O que os principais candidatos prometem para que o país crie empregos melhores (Foto: Orlando Brito,Alexandre Severo e Roberto Stuckert)
A próxima ou o próximo presidente fará bem se abandonar o excesso de preocupações genéricas, a verborragia e os orçamentos irreais para o setor. Fará melhor ainda se planejar investimentos que sejam feitos de verdade, em ritmo estável, ano a ano, e definir objetivos palpáveis. Os recursos deveriam ir para áreas em que o país tenha competência comprovada, com relevância estratégica, como produção de alimentos ou energia. Caso contrário, o Brasil poderá até dar sorte e criar muitos empregos no futuro. Mas serão daquele tipo que não empolga ninguém.

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