POLÊMICA
Especialistas debatem o fenômeno do "rolezinho"
"O que mais amedronta é que você tem vários garotos negros em um espaço majoritariamente branco", destacou professora da UFPE
Da ABr
Foto: Reprodução / YouTube
“Rolezinhos”
estão sendo programados pelas redes sociais em mais de dez estados para
as próximas semanas. Em muitos deles, movimentos sociais e
universitários organizam os encontros em protesto à repressão policial
contra a reunião que ocorreu em um shopping de Itaquera, bairro da zona
leste de São Paulo. Na linguagem popular, “rolezinho” significa passear
ou dar uma volta. Nas últimas semanas, a palavra tem sido bastante usada
para descrever reuniões de jovens, principalmente da periferia, em
shopping centers.
De acordo
com a professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Ivana Bentes, o fenômeno tem um forte caráter político e
surpreende por resgatar o espírito das manifestações do ano passado em
um cenário inusitado, os shoppings. “Mesmo que não tivesse uma intenção
de causar politicamente, ele é político. A simples existência de um
jovem negro da periferia dentro de um shopping center, sendo rejeitado,
sendo considerado um consumidor indesejado, já é um fato político,
independentemente da intencionalidade”, disse. “Acho muito importante
que outros grupos sociais tenham se organizado para manifestar
solidariedade a esses jovens”, completou.
O chamado
“rolezinho” começou em São Paulo, no fim do ano passado. Desde então,
vários ocorreram, chegando a reunir milhares de pessoas. No último
sábado (11) foi no Shopping Itaquera, teve a participação de 6 mil
jovens e terminou em confronto com a Polícia Militar. Daniel de Souza, o
MC Danadinho, esteve presente. Ele disse que a origem do “rolezinho”
são os chamados encontros de admiradores, em que fãs dos cantores de
funk iam aos shoppings para encontrar os ídolos. “Antes do 'rolezinho'
tinha o encontro de admiradores, que era com os famosinhos das redes
sociais, que faziam o seu encontro e reuniam o povo no shopping”,
declarou. “É o único lugar que todo mundo conhece e é público”.
O jovem
acredita que os encontros de admiradores cresceram e se tornaram os
“rolezinhos” de hoje, atraindo também pessoas que aproveitam a situação
para causar tumulto. “Começou a encostar os caras que faz baderna,
começou a colar os polícias para tirar a gente do shopping, começou a
passar na televisão, começou a vir os caras de longe para tumultuar. Aí,
por causa de uns, todos os que vão para curtir pagam do mesmo jeito dos
que vão para tumultuar”, disse.
As
administrações de alguns shoppings conseguiram, na Justiça, liminares
para impedir os encontros. Para o professor da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, Fernando Menezes, o que está em jogo, nesse
caso, é o direito de ir e vir e o direito à propriedade. “No caso em que
um grupo, se valendo da sua liberdade de ir e vir, combina um encontro
de tal volume e de tal tamanho e com tais atitudes que começam a,
exageradamente, impedir o exercício de outros direitos e liberdade por
outras pessoas, estão abusando do seu direito”, explicou.
O
professor da Universidade de Brasília, Alexandre Bernardino, discorda.
Na opinião dela, a proibição da entrada nos shoppings está ligada ao
perfil dos jovens que fazem os "rolezinhos". “É claramente uma
manifestação de preconceito em relação a um determinado grupamento
social que se caracteriza por pobreza e por negritude, um grupo que se
manifesta politicamente, no sentido mais amplo da palavra, e que não
pode ter seu direito de manifestação e de ir e vir cerceado em um lugar
público, porque o lugar é privado, mas é aberto ao público, então é
publico”, defende.
A
professora do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de
Pernambuco, Liana Lewis, entende que o fenômeno evidencia contrastes da
sociedade brasileira. “Quando a gente trata de 'rolezinho', a gente não
pode separar a questão de classe da questão de raça. O 'rolezinho' é um
fenômeno de classe e de faixa etária, mas sobretudo de raça”, explicou.
Para Liana, existe um estranhamento quando universos diferentes passam a
ocupar o mesmo espaço. “O que mais amedronta no 'rolezinho', para além
da questão de classe, é que você tem vários garotos negros em um espaço
majoritariamente branco”, destacou.
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