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30 de maio de 2014

A correspondência inédita de Jacqueline Kennedy

Cartas revelam a vida de Jackie Kennedy, escritas a próprio punho

FLÁVIA YURI OSHIMA
NA INTIMIDADE Jackie Kennedy em foto de 1964. As cartas mostram o que pensava e  sentia a primeira- dama mais célebre dos EUA (Foto: Bettmann/CORBIS)
"Ele me magoou muito. Deixou de me ligar por semanas inteiras quando estava em campanha. Até então, achei que John estivesse apaixonado por mim tanto quanto estou por ele. Agora sei que, se me pedir em casamento, será por razões práticas. Um político de respeito tem de ter família.” O relato da jovem Jacqueline Lee Bouvier, de apenas 22 anos, descrevia seu namorado e futuro presidente dos Estados Unidos, John Fitzgerald Kennedy. O desabafo ao padre irlandês Joseph Leonard, em 1951, está nas 33 cartas escritas por ela a Leonard ao longo de 14 anos, de 1950 a 1964. O material acaba de ser revelado.
Jackie conheceu o padre Leonard aos 21 anos, numa viagem à Irlanda. Tornaram-se amigos, e a correspondência começou em seguida. Ela encontrou Leonard só mais uma vez, ao voltar à Irlanda com o marido em 1955. As cartas foram descobertas quando a Universidade All Hallows pediu a um perito que avaliasse livros antigos que poderiam ser vendidos. O baú com a correspondência entre Jackie e Leonard estava entre eles. São 103 folhas, com cartas manuscritas, datilografadas, cartões, envelopes e algumas fotos. O material será leiloado no dia 10 de junho. A expectativa é que o valor do lote ultrapasse £ 1 milhão.
Jackie foi uma das mais importantes personagens femininas da história dos Estados Unidos. Tão carismática quanto o marido, Jackie era bonita, elegante e culta. Estudara nas melhores escolas americanas e na universidade francesa Sorbonne. Era uma leitora voraz de literatura e de livros de história. Jackie povoou o imaginário feminino tanto por sua aparência quanto por suas ideias.
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Há dezenas de obras sobre sua vida. Nenhuma delas foi escrita por ela. É a primeira vez que se leem as opiniões pessoais de Jackie sem intermediários e, mais que isso, ditas sem rodeios ao interlocutor em quem mais confiava. São relatos sinceros, desarmados e feitos por alguém com cultura e capacidade de elaboração acima da média. Uma das cartas revela a importância daquela amizade: “É tão bom poder lhe dizer o que sinto e tirar esse peso do meu peito. Não diria essas coisas a mais ninguém”. Tudo isso faz dessas cartas o material que mais se aproxima de uma autobiografia de Jackie.
A faceta que surge das cartas é uma jovem sensível, com forte senso crítico e madura para a pouca idade que tinha. Ainda solteira, Jackie percebeu o tamanho que o casamento e a carreira teriam na vida de seu futuro marido. “Lembrei-me de Byron (poeta britânico), quando diz que o casamento é uma pequena parte da vida do homem. Enquanto, para a mulher, representa sua existência completa”, diz ela. Jackie diz e demonstra nas cartas, ao longo dos anos, que sempre fora apaixonada pelo marido, mesmo quando se queixava das infidelidades dele. “John é como meu pai: adora caçar, mas fica entediado com a conquista. Mesmo casado, ele ainda tem de provar que é atraente. Então flerta com outras mulheres, ainda que isso magoe quem o ama. Esse comportamento em meu pai quase matou mamãe.” Ou quando reclama da ambição excessiva do marido, em que também se reconhecia – fato que a fascinava tanto quanto a assombrava. “Temo por uma espécie de maldição. Sempre associo a sede de poder à trajetória de Macbeth. E se formos cegados por ela?”
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Nos primeiros meses de casamento, reclamava da sogra, Rose Fitzgerald: “Está longe de ser uma pessoa brilhante. É do tipo que prefere a Bíblia a um bom livro”. E de seu papel na glamourosa vida do marido: “Talvez eu tenha pintado um mundo cintilante, cheio de cabeças coroadas e homens capazes de forjar o destino, para não me ver apenas como  uma pobre dona de casa. Por fora, tudo é glamouroso... por dentro, pode ser um inferno”. Um ano depois de escrever essa carta, Jackie tranquiliza o amigo: “Estou muito feliz com minha relação, mais do que quando me casei”.
Nenhum dos muitos incidentes dolorosos da vida do casal Kennedy passou em branco nos relatos. Em 1956, ao perder a primeira filha, Arabella, no parto, Jackie escreve: “É incrível como, ao compartilhar uma dor, o casal se aproxima”. Em 1963, ao perder seu filho Patrick, que vivera por somente dois dias, diz: “Estou tão brava com Deus”. O assassinato de Kennedy ocorreu três meses depois disso. “Queria ter sido atingida no lugar dele... preciso acreditar que existe um Deus, de outra forma nunca mais poderei me encontrar com John.” O obituário de Jackie publicado pelo jornal The New York Times, em 1994, dizia: “O silêncio de Jackie fez de seu casamento com o presidente um mistério”. Com as cartas recém-descobertas, parte do mistério se desfaz.

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