Tesouros do Gobi #2: chegada em Khamar e os rituais de Shambala
HAROLDO CASTRO, DO DESERTO DE GOBI, MONGÓLIA (TEXTO E FOTOS)
Esta é a continuação da crônica publicada na semana anterior

O número de gers (tendas nômades) ao lado do mosteiro cresceu bastante, comprovando que os peregrinos mongóis afluem com mais frequencia. Dentro das gers e protegidos do calor, eles podem descansar e tomar uma taça do típico chá salgado. Observo também mais postes de energia elétrica e um deles chega a cruzar, sem nenhuma estética, o pátio do mosteiro. Infelizmente, descubro também muito mais lixo e entulho. Mas os mesmos 12 monges continuam lá, firmes e fortes, vencendo os contrastes do clima do Gobi. Iderbat, meu pequeno amigo lama – cuja foto ilustrou a abertura da reportagem de 2007 –, cresceu bastante. Já o lama Dosh, o chefe do corpo monástico, está com sua vista cada vez mais cansada. Para ler sutras budistas (escrituras sagradas), ele precisa agora de óculos.

Estamos cercados por paredões de pedra e dunas de areia de até dez metros. No leito do rio, cresceram várias árvores, protegidas do vento e do sol. O local tornou-se um refúgio para os pássaros da região. A cantoria quase me transporta a uma floresta tropical. Avançamos 250 metros, seguindo os meandros do riacho seco. Conto sete voltas até chegar a uma barreira de pedras de um metro de altura. Durante um raro temporal, o desnível deve criar uma pequena cachoeira. Subimos a cascatinha que existe uma vez por ano e chegamos a um espaço mais amplo, dominado por um belo paredão de pedras vulcânicas vermelhas. O lugar é perfeito para esconder um tesouro.
Altangerel abre os braços, sorri timidamente, e diz que os dois baús que ele irá abrir em quatro dias estão por aqui. Desconfiado, ele não dá nenhuma informação adicional. Não confirma se está ou não sob o leito do riacho seco. Mas afirma, depois de muita insistência minha, que a água do riacho não alcançaria as caixas de madeira, pois esta “já chega como barro e não penetra no fundo”. Teremos de esperar 100 horas para conhecer o lugar exato.
Quanto mais nos aprofundamos em um assunto, mais nos damos conta de sua complexidade. Altangerel explica que nenhum dos 17 lugares escolhidos por seu avô Tuduv contém hoje qualquer arca. “Por questões de segurança, mudei a localização de todas elas. As duas daqui estão desde 1996.” Ele também revela números diferentes aos que eu havia anotado. Em 2007, ele afirmara que 32 arcas haviam sido exumadas. Esse número passou hoje a ser 38. Não entendo a diferença. Com as duas novas, ele terá exposto 40 das 64. A matemática parece simples: sobrariam 24 baús sob o Gobi. “Não”, afirma Altangerel. “Sobram 20 e poucas arcas.” Não é simples entender as nuances da mente mongol, que não segue a mesma lógica cartesiana que a nossa. Venço minha teimosia e prefiro aceitar a resposta, sem contrariá-lo. Quem sabe, quando realizou alguma vistoria de manutenção, ele deve ter descoberto que alguma arca de madeira estava deteriorada e precisou, assim, reagrupar seus conteúdos...

Além de sua beleza estética – realçada ao nascer e ao pôr-do-sol – os peregrinos locais e estrangeiros (sejam eles devotos ou não do budismo) concordam que Shambala é um poderoso centro de energia telúrica. (De fato, é o único local na região onde há sinal de celular). Vinte mongóis capitalinos vestidos de cetim branco, seguidores da prática Reiki (de cura pela imposição das mãos), fazem oferendas e realizam rituais de energetização do corpo e do espírito.

Para receber as boas vibrações do lugar é necessário se deitar de bruços e de costas sobre as pedrinhas vermelhas do centro de Shambala. Os homens não se inibem e tiram suas camisas e sapatos para sentir a força do Gobi com mais vigor. A visita não é completa sem a homenagem ao santo e poeta do Gobi, Danzan Ravjaa. Um novo santuário divulga a letra (e o tom) de uma música composta pelo místico e todos cantam de mãos dadas.

E se, um dia, você quiser conhecer Shambala pessoalmente, visite.


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