Ao Vivo

31 de julho de 2014

Mulheres de países africanos e asiáticos usam cremes para clarear a pele

Elas usam produtos desenvolvidos para tirar manchas do rosto que acabaram se transformando num falso elixir de embranquecimento, aplicado no corpo inteiro. Arriscam sua saúde e seu amor-próprio

JÚLIA KORTE
A atriz Lupita Nyong’o é a atual estrela de Hollywood. Queniana, de 31 anos, ela conquistou o Oscar de Atriz Coadjuvante, foi eleita a mulher mais bonita do mundo e se tornou a primeira garota-propaganda negra da marca de cosméticos Lancôme. Lupita usou seu sucesso para trazer à tona uma questão vivida por milhares de mulheres no mundo: elas sofrem com sua pele escura. Numa palestra, Lupita contou ter recebido a seguinte mensagem de uma jovem: “Querida Lupita, você é muito sortuda por ser tão negra e, ainda assim, bem-sucedida em Hollywood. Eu estava prestes a comprar um creme para clarear minha pele quando você apareceu e salvou minha vida”. Lupita disse que ela mesma já quis ter a pele mais clara. Quando criança, rezava por isso todas as noites e se decepcionava por não ser atendida.
 
CREME OU PHOTOSHOP? A cantora nigeriana Dencia em duas versões. À esquerda, em imagem feita em julho do ano passado, antes de se tornar garota-propaganda do creme clareador. À direita, no anúncio do produto. Só a computação gráfica permite tal embranquecimento  (Foto: Leon Bennett/WireImage e divulgação)
A mensagem da fã de Lupita trouxe à tona uma prática polêmica, comum entre mulheres jovens de África, Índia, Tailândia e Paquistão. Elas usam cremes desenvolvidos para tirar manchas do rosto que acabaram se transformando num falso elixir de embranquecimento, aplicado no corpo inteiro. Em fóruns da internet, blogs e vídeos, jovens discutem a marca dos produtos e como aplicá-los. No início de julho, a modelo queniana Vera Sidika se gabou numa entrevista de TV de ter clareado três tons de sua pele com um tratamento médico de R$ 380 mil. “Clarear a pele não é só um ato de vaidade, é um projeto perverso de inclusão”, afirma a antropóloga brasileira Débora Diniz, do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero.
Não é por acaso que o creme mencionado pela jovem que escreveu a Lupita tenha como garota-propaganda uma cantora nigeriana de sucesso. Na Nigéria, 77% das mulheres fazem uso desse tipo de produto, o índice mais alto no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde. Dencia, a cantora nigeriana, é negra, mas aparece quase branca nas fotos de divulgação do produto, chamado Whitenicious (um trocadilho que mescla as palavras branco e delicioso em inglês). É improvável que o embranquecimento mostrado na propaganda seja mérito do produto, lançado no começo deste ano e vendido pela internet. A brancura exibida por Dencia nas imagens é resultado de um jogo poderoso de luzes e de uma boa dose de retoques feitos no computador. Na vida real, o efeito dos cremes é limitado e temporário – dura enquanto o produto for usado. E está longe de causar tamanha transformação.
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A essência do produto é um componente chamado hidroquinona. Ele age dentro das células que dão cor à pele e impede a produção dos pigmentos. É usado há décadas por médicos dermatologistas e pela indústria de cosméticos para tirar manchas escuras do rosto, causadas por acne, queimaduras e pelo envelhecimento. Há uma margem de concentração de hidroquinona considerada segura. No Brasil, os produtos autorizados têm no máximo 2% desse componente. Se forem manipulados em farmácias, com receita médica, podem chegar a 4%. Em alguns países, onde o desejo embranquecedor é mais forte, as concentrações permitidas são altas. Em Zimbábue, Zâmbia, Angola e Zaire, pode chegar a 20%. Nesse teor, há riscos para a saúde. “Estudos feitos com ratos associam o uso de grandes concentrações de hidroquinona a câncer do sangue e de pele”, diz a dermatologista Elisete Crocco, da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Por esses riscos, França, Austrália e Nova Zelândia já baniram o uso do componente.

O desejo de clarear a pele não é uma exclusividade de países africanos e asiá­ticos. A pele alva, sem imperfeições, é um objetivo também para brasileiras. “A pele com coloração uniforme é considerada um sinal de juventude e beleza”, diz a dermatologista Sabrina Talarico, da Universidade Federal de São Paulo. Mas, aqui, o bronzeado é valorizado. Isso talvez explique por que a moda de clarear a pele não pegou. “Vivemos recentemente uma valorização da identidade negra”, diz Mônica Oliveira, diretora de Programas da Secretaria de Políticas de Ações Afirmativas, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

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