Ao Vivo

7 de agosto de 2014

Não é tão fácil ser lobo-marinho na Costa do Esqueleto

HAROLDO CASTRO (TEXTO E FOTOS), DA NAMÍBIA
Depois de comer uma dezena de quilos de peixe, um lobo-marinho tira uma soneca na Costa do Esqueleto. (Foto: © Haroldo Castro/ÉPOCA)
Entre novembro e dezembro, as colônias de lobos-marinhos na Namíbia congregam dezenas de milhares de animais.  (Foto: © Haroldo Castro/ÉPOCA)
Os sons cacofônicos parecem vir de bezerros desmamados, cadelas em cio e até de bebês famintos. Mas não. O pandemônio é criado por dezenas de milhares de lobos-marinhos. Localmente chamado de foca-do-Cabo (Aretocephalus pusillus pusillus), o mamífero de água gelada tem um encontro marcado anual nas rochas e nas praias da Costa do Esqueleto, na Namíbia. Em novembro e em dezembro, os animais se reúnem, como em um grande festival da natureza, para acasalamento e para que as fêmeas possam dar à luz a seus filhotes.
Passei na Costa do Esqueleto exatamente nessa época do ano em 2013. Agora, ao me preparar para levar um novo grupo para realizar mais um safári fotográfico no país em novembro de 2014, encontrei estas imagens que compartilho com vocês. Os viajantes terão belas oportunidades de fotografar os animais de bem pertinho e observar por que as focas são chamadas de lobos.

A foca-do-Cabo possui espessos bigodes e seu focinho é muito parecido com o de um cachorro.  (Foto: © Haroldo Castro/ÉPOCA)

O evento anual acontece em todas as 26 colônias de lobos-marinhos que existem na Namíbia, mas, em uma delas, o superlativo está ainda mais presente. Em Cape Cross, mais de 100 mil animais conglomeram-se em uma área minúscula. “É o local onde existe o maior número de focas-do-Cabo no mundo”, afirma Job Kamati, guarda-parque da reserva.

: A maior concentração de lobos-marinhos na Namíbia acontece em Cape Cross, na Costa do Esqueleto.  (Foto: © Haroldo Castro/ÉPOCA)
Aqui faço um parêntese para apontar um detalhe sobre Cape Cross, cujo nome original é Cabo da Cruz. Sim, foi um português o primeiro europeu que aportou nas costas da Namíbia. O navegador Diogo Cão, em sua segunda viagem exploratória em busca de um novo caminho para as Índias, chegou no cabo em janeiro de 1486 e ergueu um “padrão”, uma cruz de pedra marcando que o local era reivindicado por Portugal. Hoje, existe apenas uma réplica da cruz portuguesa, mas o nome se manteve por 528 anos.
Voltemos aos lobos-marinhos. A estratégia de se reunir em grandes números faz sentido. Na Costa do Esqueleto, hienas e chacais aprenderam que, nessa época do ano, abunda carne fresca. Os canídeos não precisam lutar contra os adultos para comer. Basta conseguir agarrar um filhote de foca distraído. Caminham sorrateiramente pela beirada da enorme “matilha” e, quando reparam em um bichinho solitário, de pelo negro e com dois ou três quilos, capturam o desgarrado e fogem. O pesado lobo-marinho macho não consegue ir atrás do ladrão de filhotes, no máximo dará um latido mais alto.

Para proteger a vida do filhote, uma foca fêmea retira seu bebê, de apenas alguns dias de idade, da área periférica do grupo.  (Foto: © Haroldo Castro/ÉPOCA)
A vida dos filhotes de foca é desafiante. Cerca de 90% deles nascem entre meados de novembro e de dezembro e a colônia tem dificuldades em absorver tanta gente nova. Cerca de 25% dos filhotes acabam morrendo antes de um ano de idade. Além de ser prato fácil para os predadores, alguns são esmagados pelos pesados machos que passam por cima dos bebês sem perceber.
Apesar de ser gregário ao extremo – por que 100 mil indivíduos precisariam estar concentrados no mesmo local? – o lobo-marinho não pode ser considerado como um animal sociável. Ao contrário, durante a maior parte do tempo, um adulto estará sempre grunhindo ou mordendo o vizinho para definir quem é o dono daquele metro quadrado de pedra. Quando a reunião anual se desfaz, os lobos-marinhos voltam a ser animais mais solitários e a viver em pequenos grupos.

Dos lobos-marinhos, ainda molhados, tentam se morder em disputa de território.  (Foto: © Haroldo Castro/ÉPOCA)
  •  
Um pesado macho, rodeado de suas fêmeas, descansa em uma pedra em Cape Cross.  (Foto: © Haroldo Castro/ÉPOCA)
Os lobos-marinhos não gozam da simpatia do habitante da Namíbia. De fato, são odiados pelos pescadores locais e capitalinos, sejam estes amadores ou profissionais. A razão é simples: competem pelo mesmo produto, os peixes. Uma foca macho adulto pode chegar a pesar 350 kg na época do acasalamento. O cálculo é que eles comem uma quantidade que chega a 8% de seu peso, o que pode significar 28 kg diários. Seria como se eu comesse mais de seis quilos de comida por dia! Quando um bando de focas passa por uma praia, ele acaba com a brincadeira dos pescadores.
Assim, a “colheita de focas”, uma atividade permitida pelo governo da Namíbia, é aceita pela população e tem apoio total da indústria pesqueira. Essa “colheita” significa, em palavras mais claras, uma matança organizada de machos e filhotes de lobos-marinhos. O movimento ambientalista Sea Shepherd questionou a prática brutal e fez um pedido ao Ombudsman da Namíbia, o advogado John Walters, para que essa chacina fosse interditada. John Walters, considerando uma população total de 1,2 milhões de focas na Namíbia, resolveu que uma “colheita” anual de até 80 mil filhotes e 6 mil adultos (cerca de 7,2% da população) representam uma “prática sustentável”, sem perigo para a espécie. Nesse round, os ambientalistas perderam e os pescadores ganharam. Com três predadores impiedosos – chacais, hienas e humanos – não é tão fácil ser lobo-marinho na Costa do Esqueleto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário