Não é tão fácil ser lobo-marinho na Costa do Esqueleto
HAROLDO CASTRO (TEXTO E FOTOS), DA NAMÍBIA


Os sons cacofônicos parecem vir de bezerros desmamados, cadelas em cio e
até de bebês famintos. Mas não. O pandemônio é criado por dezenas de
milhares de lobos-marinhos. Localmente chamado de foca-do-Cabo (Aretocephalus pusillus pusillus),
o mamífero de água gelada tem um encontro marcado anual nas rochas e
nas praias da Costa do Esqueleto, na Namíbia. Em novembro e em dezembro,
os animais se reúnem, como em um grande festival da natureza, para
acasalamento e para que as fêmeas possam dar à luz a seus filhotes.
Passei na Costa do Esqueleto exatamente nessa época do ano em 2013.
Agora, ao me preparar para levar um novo grupo para realizar mais um
safári fotográfico no país em novembro de 2014, encontrei estas imagens
que compartilho com vocês. Os viajantes terão belas oportunidades de
fotografar os animais de bem pertinho e observar por que as focas são
chamadas de lobos.
O evento anual acontece em todas as 26 colônias de lobos-marinhos que existem na Namíbia, mas, em uma delas, o superlativo está ainda mais presente. Em Cape Cross, mais de 100 mil animais conglomeram-se em uma área minúscula. “É o local onde existe o maior número de focas-do-Cabo no mundo”, afirma Job Kamati, guarda-parque da reserva.

Voltemos aos lobos-marinhos. A estratégia de se reunir em grandes números faz sentido. Na Costa do Esqueleto, hienas e chacais aprenderam que, nessa época do ano, abunda carne fresca. Os canídeos não precisam lutar contra os adultos para comer. Basta conseguir agarrar um filhote de foca distraído. Caminham sorrateiramente pela beirada da enorme “matilha” e, quando reparam em um bichinho solitário, de pelo negro e com dois ou três quilos, capturam o desgarrado e fogem. O pesado lobo-marinho macho não consegue ir atrás do ladrão de filhotes, no máximo dará um latido mais alto.

Apesar de ser gregário ao extremo – por que 100 mil indivíduos precisariam estar concentrados no mesmo local? – o lobo-marinho não pode ser considerado como um animal sociável. Ao contrário, durante a maior parte do tempo, um adulto estará sempre grunhindo ou mordendo o vizinho para definir quem é o dono daquele metro quadrado de pedra. Quando a reunião anual se desfaz, os lobos-marinhos voltam a ser animais mais solitários e a viver em pequenos grupos.


Assim, a “colheita de focas”, uma atividade permitida pelo governo da Namíbia, é aceita pela população e tem apoio total da indústria pesqueira. Essa “colheita” significa, em palavras mais claras, uma matança organizada de machos e filhotes de lobos-marinhos. O movimento ambientalista Sea Shepherd questionou a prática brutal e fez um pedido ao Ombudsman da Namíbia, o advogado John Walters, para que essa chacina fosse interditada. John Walters, considerando uma população total de 1,2 milhões de focas na Namíbia, resolveu que uma “colheita” anual de até 80 mil filhotes e 6 mil adultos (cerca de 7,2% da população) representam uma “prática sustentável”, sem perigo para a espécie. Nesse round, os ambientalistas perderam e os pescadores ganharam. Com três predadores impiedosos – chacais, hienas e humanos – não é tão fácil ser lobo-marinho na Costa do Esqueleto.
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