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2 de outubro de 2014

Eles continuam nas ruas, mas agora pedem votos

Uma safra de candidatos, oriundos das manifestações de junho de 2013, disputa as eleições. É um sinal de que o sistema político brasileiro conserva vitalidade

RUAN DE SOUSA GABRIEL E GUILHERME EVELIN
Vanderlei fernandes (Foto: Filipe Redondo/ÉPOCA)
Vanderlei fernandes
Candidato a deputado estadual
Psb-sp
Em junho de 2013, Vanderlei protestou contra o projeto da “cura gay”. Criado na Assembleia de Deus, ele defende as causas gays e diz esperar que Marina, sua candidata a presidente, faça a ponte entre os evangélicos e o movimento LGBT
Foto: Filipe Redondo/ÉPOCA
 Nesses dias de setembro, longas caminhadas para distribuir panfletos e santinhos pelas ruas de São Paulo e Carapicuíba, cidade da região metropolitana em torno da capital paulista, passaram a fazer parte da rotina diária do vendedor Vanderlei Fernandes, de 27 anos. Vanderlei é candidato a deputado estadual pelo PSB, partido em que, como militante da Rede, ingressou seguindo a liderança da ex-senadora Marina Silva. Morador da Zona Oeste de São Paulo, onde vive com um companheiro e um filho adotivo, Vanderlei carrega em sua campanha a bandeira do movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis) e de duas causas oriundas das jornadas de junho de 2013: o passe livre nos transportes públicos e a realização de mais referendos e consultas populares. Foram as manifestações do ano passado que motivaram Vanderlei a se candidatar pela primeira vez. “Nasceu ali, nas bordas da sociedade, um novo sujeito político, que não depende de ONGs, sindicatos ou partidos”, diz ele.
No passado, Vanderlei já teve “nojo da política”. Sua opinião mudou quando uma enchente, em 2007, derrubou a casa em que ele morava, com a família, em Carapicuíba. Ele se uniu então a vizinhos num movimento para reclamar da prefeitura soluções para os estragos provocados pelas inundações. Despontou como liderança comunitária e, por sugestão de amigos, filiou-se ao PSDB. Foi uma experiência breve e frustrante porque, segundo ele, o partido não estava interessado em novos quadros. “Achava que receberia instrução, mas nunca participei de nenhuma reunião”, diz. A desilusão durou até Marina aparecer, na TV, na campanha presidencial de 2012, falando em “ativismo autoral”. “Foi assim que soube que podia participar da política, que minha voz contava”, diz. Nas manifestações de junho, Vanderlei praticou seu “ativismo autoral” com uma cartaz que dizia: “Não é pelos 20 centavos. É o arroz e feijão sem o ovo”. Com sua candidatura, ele diz que sua ambição não é ganhar uma vaga na Assembleia Legislativa de São Paulo, mas “convencer as pessoas de sua importância no processo político”.
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Como Vanderlei, em todo o país dezenas de jovens que saíram às ruas de junho de 2013, exigindo passe livre, educação “padrão Fifa” ou simplesmente renovação política, estão de volta agora, na forma de combinações numéricas de quatro ou cinco dígitos nas urnas eletrônicas. Eles não gritam mais “Você não me representa”, mas pedem votos para ocupar vagas nas Assembleias Legislativas ou na Câmara dos Deputados. Dão, assim, continuidade a um fato histórico nas democracias: a renovação dos quadros se alimenta frequentemente dos jovens que começam suas lutas nas ruas, depois as levam para as instituições políticas. É um fenômeno que se repete mundo afora. Na Espanha, o movimento dos jovens “indignados” com o desemprego provocado pela recessão econômica gerou um partido político de esquerda, o Podemos. Ele elegeu neste ano cinco deputados  para o Parlamento Europeu. No Chile, quatro líderes das manifestações estudantis de 2011 foram eleitos para o Congresso – entre elas, a “musa” Camilla Vallejo, deputada pelo Partido Comunista do Chile, a mais votada do país.
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A transição das ruas para as tribunas do Parlamento já foi registrada também no Brasil no passado. Um exemplo recente é o senador Lindberg Farias (PT), candidato ao governo do Rio de Janeiro. Sua carreira política foi impulsionada pela notoriedade como líder dos caras-pintadas, no movimento pelo impeachment do ex-presidente Fernando Collor, em 1992. Na atual safra de candidatos que migraram das ruas para as urnas, há algumas circunstâncias diferentes. Quando despontou como liderança, Lindberg já era presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), uma entidade tradicional com mais de 75 anos de história. Muitos candidatos atuais entraram na disputa eleitoral sem nenhum vínculo anterior com partidos, sindicatos ou outros movimentos tradicionais. Seguem o modelo estabelecido pelas manifestações de junho, desencadeado pelo Movimento do Passe Livre (MPL), que se declarava apartidário e sem hierarquia.

THIAGO AGUIAR (Foto: Filipe Redondo/ÉPOCA)
THIAGO AGUIAR
Candidato a deputado federal
PSOL-SP
Em junho de 2013,  Thiago usou um megafone para agitar nas passeatas. Agora, com a ajuda de um microfone, pede votos, diz que será a “voz das ruas” no Congresso Nacional
Foto: Filipe Redondo/ÉPOCA
Um desses candidatos é o engenheiro ambiental Rafael Boff, de 24 anos, outro militante da Rede que virou candidato a deputado federal pelo PSB em Tocantins, depois de ter participado, depois das manifestações de junho, do movimento “Ocupa Palmas”. Tratava-se de um acampamento organizado em frente ao Palácio do Araguaia, sede do governo do Tocantins, em Palmas. Por dois meses, os manifestantes reclamaram a abertura da “caixa preta” do sistema de transportes públicos na cidade. O movimento conseguiu vitórias, como a abertura de linhas de ônibus noturnas e o fim do pagamento de um auxílio a deputados estaduais de Tocantins para gastos com internet.  Rafael (sobrinho do teólogo Leonardo Boff) defende maior transparência na política. Ele propõe a criação de “gabinetes interativos” no Congresso. Como deputado, diz que abriria as portas de seu gabinete para que cidadãos comuns fossem “estagiários voluntários” e conhecessem de perto o dia a dia de um parlamentar.
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Como a organização “horizontal” das jornadas de junho, sem chefes no comando, não favoreceu a criação de lideranças individuais, os jovens candidatos lançam mão de alguns artifícios para associar suas candidaturas às manifestações.  É com o slogan “Uma voz das ruas” que o paulistano Thiago Aguiar, de 25 anos, sociólogo formado pela Universidade de São Paulo (USP), disputa uma vaga na Câmara dos Deputados. Thiago já participara do movimento estudantil. É sua primeira disputa eleitoral fora dos muros da universidade. Ele chegou a viajar à Grécia para trocar informações com os manifestantes locais, que saíram às ruas para protestar contra seus governos e ajudaram, em 2012, a Coalizão da Esquerda Radical (Syriza) a virar o segundo maior  partido no parlamento grego. “Milhares de pessoas e eu fomos as vozes das ruas em junho. Agora, quero mostrar que cada um pode ser uma voz capaz de influenciar a política”, afirma Thiago. Ele divide o mesmo slogan de campanha com outro candidato do PSOL, Felipe Bandeira, que agitou nas manifestações de Santarém, no Pará. Felipe estuda economia na Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) e é candidato a deputado estadual.
rafael boff (Foto: Jefferson Veras/ÉPOCA)
Rafael Boff
Candidato a deputado federal
PSB-TO
Em junho de 2013, Rafael ajudou a organizar no Tocantins o movimento “Ocupa Palmas”. Agora, acena aos eleitores com maior transparência em Brasília com a criação de “gabinetes interativos”
Foto: Jefferson Veras/ÉPOCA
 O material de campanha de Arielli Moreira, de 24 anos, estudante de letras na USP, candidata a deputada estadual em São Paulo, destaca sua participação nos protestos e traz o slogan “Ela tava lá”. Seu jingle parece saído de um dos cartazes levantados em junho: “A juventude vai mudar o Brasil”. Guly Marchant, de 24 anos, estudante de jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e candidato a deputado federal pelo PSOL, é ainda mais pretensioso nas suas postulações. Seu slogan é “Somos 99% contra 1%”, uma referência  às palavras de ordem do movimento “Occupy Wall Street”, que denunciava a desigualdade social e econômica nos Estados Unidos. “Minha campanha faz referência à juventude que sofre no mundo todo”, diz Guly.
Tanta ambição encontrará eco nas urnas? O cientista político Marco Aurélio Nogueira, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), é cético. Um dos obstáculos dos jovens candidatos é a própria aversão que as manifestações demonstraram pelos partidos políticos. “As ruas não referendaram a forma de fazer política via partidos”, diz Nogueira. “A organização das manifestações brasileiras, mais independente que nas experiências internacionais, não deverá produzir também frutos sustentáveis a longo prazo.” Mesmo que nenhum representante das manifestações seja eleito, a busca do caminho eleitoral é um fato a celebrar. “Toda via institucional é um convite à moderação e ao abandono de coreografias mais radicais”, afirma Nogueira. Se o sistema político brasileiro abre a possibilidade de que os manifestantes de junho reverberem suas reinvidicações, é porque existem brechas por onde ele pode ser arejado – e isso é motivo de esperança.

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