Exclusivo: Vídeo revela entrega de dinheiro vivo a ex-assessor de Agnelo Queiroz
Imagens obtidas por ÉPOCA mostram
funcionário de uma fornecedora do governo de Brasília entregando
dinheiro a motorista da Secretaria de Saúde do Distrito Federal. O
motorista foi assessor de Agnelo Queiroz no Ministério do Esporte
MURILO RAMOS, COM FLÁVIA TAVARES E FILIPE COUTINHO
Na tarde do dia 28 de agosto, uma quinta-feira, um Siena vermelho e um
Uno branco estacionaram, um atrás do outro, no acostamento da BR-040,
num trecho movimentado e próximo a Brasília. Os carros não tinham
problemas mecânicos. No Siena vermelho, estavam Ailton Pereira, dono da
Agropecuária São Gabriel, e Eduardo Alves, um de seus gerentes. O Uno
branco era dirigido por Cícero Cândido Sobrinho, motorista da Secretaria
de Estado de Saúde do Distrito Federal. Ciço, como é conhecido, não é
um motorista qualquer. Quando o atual governador de Brasília, Agnelo Queiroz
(PT), comandou o Ministério do Esporte, entre 2003 e 2006, Ciço foi seu
assessor. É filiado ao PC do B (ex-partido de Agnelo) desde 1997. A
desconhecida Agropecuária São Gabriel também não é uma empresa qualquer.
Aluga galpões para o governo de Agnelo.
A cena, registrada num vídeo obtido com exclusividade por ÉPOCA (assista ao lado),
dura menos de dois minutos. O motorista Ciço liga o pisca-alerta, sai
do Uno e anda em direção ao Siena. O gerente Eduardo Alves faz o caminho
inverso. Trocam cumprimentos. O motorista encosta na janela do Siena e
conversa com o dono da empresa. Enquanto isso, o gerente Eduardo joga um
pacote de notas de cem reais no banco da frente do Uno – R$ 9,5 mil,
segundo ele disse posteriormente ao Ministério Público. Tudo acontece
rapidamente. Todos voltam aos seus carros, o motorista parece conferir
os valores e, em seguida, eles seguem seus caminhos. O Uno dirigido por
Ciço é alugado pelo governo de Brasília.
O vídeo expõe um caso clássico de corrupção: uma empresa privada paga
uma taxa – propina – para fazer negócio com o governo. Nesse caso, há
um elemento adicional: há evidências de que a propina foi encaminhada à
campanha eleitoral do PT em Brasília. À propina, some-se a suspeita de
caixa 2 nas campanhas de Agnelo Queiroz, candidato à reeleição ao
governo de Brasília, e de Rafael Barbosa (PT), secretário de Saúde até
recentemente. Ele deixou o cargo para concorrer a uma vaga na Câmara dos
Deputados.
O Ministério Público do Distrito Federal investiga o caso. Os
promotores descobriram que a cena registrada em vídeo não foi um
episódio isolado. O gerente Eduardo Alves, segundo ele próprio admitiu
ao MP quando foi convocado a dar explicações, entrega propina ao
motorista do governo desde 2012. Foi nesse ano que a Agropecuária São
Gabriel passou a receber do governo por alugar galpões à Secretaria de
Saúde. Os galpões servem para acomodar bens sem utilidade, como
computadores e móveis velhos. Assim que a Secretaria depositava os
recursos na conta da São Gabriel, o dono da empresa, Ailton Pereira,
preenchia o cheque no valor da propina e mandava Eduardo Alves
descontá-lo na agência 216 do BRB (Banco de Brasília). A agência e os
galpões alugados pela secretaria sem licitação ficam no Gama, cidade a
40 quilômetros do centro de Brasília.
Ato contínuo, Eduardo Alves ligava para o motorista, a fim de marcar o
local da entrega do dinheiro em espécie – geralmente na porta do banco e
em outros locais públicos. De acordo com a investigação do MP, a
propina equivalia a 30% do valor dos depósitos. Desde 2012, a
Agropecuária São Gabriel recebeu mais de R$ 1milhão do governo do
Distrito Federal pelo aluguel de dois galpões. Por isso, os promotores
que acompanham o caso trabalham com a hipótese de que quase R$ 300 mil
em espécie tenham sido repassados pela Agropecuária São Gabriel aos
mandantes do esquema.
Em depoimento ao Ministério Público no final da tarde do dia 29 de
setembro, o gerente Eduardo confirmou todas as suspeitas dos promotores
que investigam o caso. Afirmou, ainda, que o motorista Cícero dizia que o
dinheiro não era para ele; e, sim, para as campanhas de Agnelo Queiroz e
Rafael Barbosa. O dono da Agropecuária São Gabriel, Ailton Pereira,
comentava com pessoas próximas que estava cansado de pagar propina a
Cícero. “Não aguento mais pagar essa m...os caras sempre me pedem
dinheiro”, disse a um grupo de funcionários recentemente. Apesar das
queixas, Ailton costuma se gabar. Diz conhecer Agnelo Queiroz há muitos
anos. Agnelo, de acordo com Ailton, foi médico de um de seus irmãos, nos
tempos em que o governador trabalhava como médico no Hospital do Gama.
Ailton também tem o hábito de comentar que ajudou Agnelo Queiroz na
campanha eleitoral de 2010, quando o petista fora eleito governador do
DF. Na prestação de contas da campanha de 2010 de Agnelo, no entanto,
não aparecem contribuições de empresas ligadas a Ailton.
O Ministério Público apura, ainda, a possibilidade de que outros
galpões alugados pela Secretária de Saúde sejam utilizados como
depósitos de material de campanha de Agnelo Queiroz e Rafael Barbosa. A
suspeita foi levantada a partir de um outro vídeo (assista ao lado)
que integra a investigação. Nele, um Fiat Fiorino branco, com imagens
de Agnelo Queiroz e Rafael Barbosa estampadas na lataria, foi flagrado
no dia 22 de setembro num galpão alugado pela empresa Almi Imóveis à
Secretaria de Saúde. Procurada pela reportagem, a Almi Imóveis diz que o
governo está em débito com a empresa há um ano e meio e desconhece o
uso que está sendo dado ao galpão.
Um imóvel vizinho a um dos galpões alugados à Secretária de Saúde,
também de propriedade da família de Ailton Pereira, é utilizado pelo
comitê de outro candidato a deputado federal pelo PT, o deputado
distrital Patrício. As investigações apontam que Patrício foi
presenteado com a cessão do galpão pelo empresário Ailton Pereira. Na
prestação de contas eleitorais de Patrício, não aparecem despesas com o
aluguel do imóvel. Questionado pela reportagem sobre essa omissão,
Patrício disse que vai prestar contas do aluguel somente no final da
campanha. ÉPOCA, então, pediu uma cópia do contrato de aluguel. Somente
após três horas do pedido, a campanha mandou a cópia do que Patrício diz
ser o contrato de aluguel. Nele só havia a assinatura de Patrício. No
documento, não havia assinaturas dos donos do imóvel. Patrício diz
conhecer Ailton há 30 anos.
Por meio de nota, o governador Agnelo Queiroz afirma que “rejeita
veementemente a existência de prática eleitoral ilegal. Todas as minhas
receitas de campanha decorrem de contribuições legais”. O governador
admitiu conhecer e ter nomeado Cícero para ser seu assessor no
Ministério do Esporte (leia abaixo a portaria da nomeação).
“Indicação partidária”, afirmou. Agnelo também disse conhecer o dono da
Agropecuária São Gabriel, mas afirma não falar com ele há pelo menos
oito anos.
O ex-secretário de saúde Rafael Barbosa, que, na condição de secretário de saúde, assinou contratos (documento abaixo) com a São Gabriel, afirmou jamais ter recebido dinheiro de Cícero nem ter contato com a empresa São Gabriel. “Ele (Cícero) nunca me ajudou em nada. Ele me dá é muita dor de cabeça. Ele não tá
na minha campanha. Não é coordenador da minha campanha. Ele ajuda
voluntariamente. Ele ajuda na rua pedindo voto”, disse. Perguntado se
Cícero tinha trabalhado com ele no Ministério do Esporte, Barbosa, que
acompanha Agnelo há anos, afirmou: “Cícero chegou antes de mim ao
Ministério. Ele trabalhou foi com o governador Agnelo no Ministério. Se
ele (Cícero) pegou (dinheiro), levou pro bolso dele. Nesse período de eleição tem muito vigarista usando o nome dos outros e extorquindo. Ele (Cícero) tem que responder”.
Em entrevista a ÉPOCA, Cícero disse desconhecer o dono da São Gabriel e
Eduardo Alves. Ao ser informado de que havia um vídeo em que era
flagrado recebendo dinheiro, Cícero desligou o telefone. Depois disso, a
reportagem não mais conseguiu falar com ele. Ailton Pereira e Eduardo
Alves não foram localizados pela reportagem.
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