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25 de maio de 2015



"Magnífica 70", nova série da HBO, recupera a história da Boca do Lixo

A série de ficção fala sobre o polo cinematográfico mais produtivo da história do país

NINA FINCO
"Um amontoado vulgar de cenas de sadismo e de sexo. Acho que esse filme não deveria existir." É assim que o personagem Vicente (Marcos Winter), um censor da ditadura, descreve o filme A devassa da estudante ao justificar o veto total da obra no primeiro episódio danova série da HBO, Magnífica 70. Mas esse poderia ser o parecer de qualquer censor real da década de 1970 para classificar os filmes produzidos na Boca do Lixo, apelido dado à região do centro de São Paulo que concentrou grande parte da produção cinematográfica do país entre 1960 e 1980. Aquele foi o berço – e mais tarde a cama – do gênero conhecido hoje como pornochanchada, que produzia de comédias a suspenses, porém mantendo sempre uma máxima: o erotismo. A série, que estreia neste domingo 24 às 22h, recupera sem recorrer à forma documental, o embate entre a explosão de criatividade da Boca e a censura pesada do regime militar numa espécie de Romeu e Julieta pornô. Nada que se passa ali aconteceu de verdade, mas tampouco é mentira.
“Não temos a pretensão de contar histórias de personagens reais. Contamos histórias de pessoas que foram parar no cinema oriundas de outros lugares, o que era uma realidade”, afirma Cláudio Torres, diretor geral. A trama acompanha Vicente, um ex-contador que consegue um emprego como censor por intermédio de seu sogro, um general. Reprimido, ele trabalha no departamento de censura do governo de São Paulo (uma licença poética da produção, já que esse departamento só existia em Brasília), cortando cenas de diversos filmes baseando-se apenas em sua experiência enquanto assiste. Se ele, um homem de bem, se sente incomodado com o filme, então a fita é imoral. Sua calma é abalada após assistir A devassa da estudante, filme protagonizado por Dora Dumar (Simone Spoladore), uma mulher que o lembra de um episódio sombrio de seu passado e o faz se apaixonar. Ele veta o filme completamente e acaba com a produtora, chamada Magnífica. Movido pela culpa, Vicente vai até a Boca para tentar reparar seu erro e acaba se envolvendo com a produção local.
Magnífica 70 (Foto: Divulgação)
Ao longo do primeiro capítulo, o espectador descobre que Dora na verdade é Vera, uma golpista que se apaixonou pelo ofício de atriz. O produtor do filme, Manolo (Adriano Garib), é um ex-caminhoneiro com problemas de ereção. A mulher de Vicente, Isabel (Maria Lusa Mendonça), dá indícios de que deixará de ser recatada e conformada. Todos têm vida dupla e querem esconder algo. E são tão confusos quanto o período em que se encontram.
Naquele ano de 1973, cinco anos após o AI-5, a repressão era fortíssima e tudo o que fosse contra o regime ou contra a moral e os bons costumes era cortado. Ironicamente, a produção de filmes com teor erótico atingia seu auge. O polo cinematográfico chegou a produzir sozinho cerca de 120 filmes por ano. “As pessoas perceberam que aquilo dava dinheiro e se dirigiram para lá”, afirma Enzo Barone, roteirista de Os garotos virgens de Ipanema. “Demorávamos dois meses para filmar e editar. Quando eles chegavam aos cinemas, faziam um tremendo sucesso e se pagavam muito rápido. Foi um filão que a Boca aproveitou, do mesmo jeito que o cinema faz hoje com as comédias”.
Apesar do retumbante sucesso na época, a Boca viu seu fim no início dos anos 1990 quando foi extinta a lei de obrigatoriedade do cinema nacional, que determinava que as salas de cinema exibissem uma quantidade mínima de filmes brasileiros. Com isso, as produções americanas tomaram as salas e as pornochanchadas caíram no esquecimento, não apenas do público mas também da história. Os registros sobre essa época se limitam a documentários simples criados por quem viveu a magia do reduto cinematográfico.Magnífica 70 surge como um processo de reciclagem da Boca e entrega um produto novo que mostra o cotidiano de gravação, numa época em que quase não existiam recursos e a liberação sexual ganhava espaço.
Cada episódio representará uma fase de produção de um filme. “Eles têm uma estrutura que respeita a de feitura de um filme. Por exemplo, no segundo capítulo, veremos como se monta um roteiro, depois, como funciona a escolha do elenco...”, diz o diretor. Dessa forma, o público conhece um lado mais profundo da Boca, que vai além da trama.
Para garantir que uma série rodada por pessoas que não conheceram a realidade da Boca, nem da censura, fosse o mais verdadeira possível, a produção do canal chamou o diretor Alfredo Sternheim, responsável por 25 filmes produzidos na Boca, entre eles, Anjo loiro, clássico responsável por lançar Vera Fischer como atriz. Ele dividiu detalhes de como se comportavam as pessoas que ali trabalhavam e como eram organizadas as gravações. Ao assistir ao resultado, o veterano se animou. “Fico muito feliz em finalmente ver alguém tentar recuperar a Boca”, afirma. Mesmo com uma história fictícia, a série recupera o cinema da Boca com respeito e humanidade, mostrando uma parte da produção nacional de cinema que, pode ter tido vários defeitos, mas tinha a virtude de ser feita com o objetivo de agradar aos espectadores.

Um comentário:

  1. O elenco parece grande,. Eu acho que Magnifica 70 é uma série muito bem estruturado coloca você na década de 70 épicas em São Paulo, Brasil; a ditadura militar, onde o filme era independente e não podia tocar temas tabus; Ele nos leva ao cinema chamado Boca de Lixio. O protagonista da série, Vincent, funciona em relatos de filmes que têm de censurar, uma vez assistindo a um filme e está chocado com a estrela, levando-o a Boca de Lixio e onde começou a trabalhar como diretor na produção magnífica cinematográfica. É uma série proposta diferente, no entanto eu acho muito interessante.

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