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31 de maio de 2014

Papa Francisco: Sua Santidade faz tremer a Terra Santa

Em visita à região, o papa convida líderes de Israel e Palestina a rezar juntos em Roma, na maior ação de um pontífice até hoje pelo fim do conflito histórico

ROGÉRIO SIMÕES
O OUTRO MURO Um dia antes  de ir ao Muro das Lamentações, Francisco rezou na barreira erguida por Israel. Ele fez um pedido de paz (Foto: Osservatore Romano/AP)
Há 50 anos, o mundo via pela primeira vez o mais alto representante da Igreja Católica nas terras que deram origem a sua crença. Na primeira visita de um papa a Jerusalém, em 1964, Paulo VI falou apenas aos cristãos. Não visitou locais de importância histórica e religiosa para os judeus nem citou Israel pelo nome – o Vaticano só reconheceu Israel em 1994. Outros dois papas visitaram a Terra Santa nas últimas cinco décadas. João Paulo II, em 2000, e Bento XVI, em 2009, fizeram o que faltou a Paulo VI. Rezaram diante do Muro das Lamentações, local sagrado para a religião judaica. Consolidaram a reconciliação entre a Igreja Católica e Israel e condenaram publicamente o antissemitismo e o Holocausto. O aniversário de cinco décadas dessa reaproximação não passou despercebido pelo papa Francisco. Ele decidiu  colocar os pés na Terra Santa para lembrar a visita de Paulo VI. Como seus mais recentes antecessores, rezou no Muro das Lamentações e condenou o Holocausto. Ele, porém, não seria Francisco se não surpreendesse a todos – com palavras, gestos e um inusitado convite.
>> Fotos: A visita do papa à Terra Santa
Muita coisa mudou desde 1964. Cisjordânia e Jerusalém Oriental eram controladas pela Jordânia, e a Faixa de Gaza estava sob poder do Egito – configuração que só mudou a partir da Guerra dos Seis Dias, vencida por Israel em 1967. Paulo VI não falava em israelenses, muito menos em palestinos. Referia-se ao solo em que pisava apenas como Terra Santa. Francisco optou por não somente reconhecer a nova realidade, mas enfrentá-la. Diferentemente de João Paulo II e Bento XVI, entrou em território controlado pela Autoridade Nacional Palestina antes de visitar Israel. Saiu de Amã, capital da Jordânia, diretamente para a Cisjordânia. No domingo, dia 25, em seu caminho rumo a uma missa em Belém, Francisco pediu para descer de seu papamóvel. Dirigiu-se a um ponto do muro de concreto, de 8 metros de altura, erguido por Israel para separar comunidades israelenses das áreas palestinas. A barreira – um muro em áreas urbanas e uma cerca em pontos mais afastados – já tem mais de 400 quilômetros de extensão. O governo israelense a considera essencial para evitar ataques terroristas. Os palestinos denunciam a empreitada como uma forma de Israel tomar parte de suas terras. O papa a transformou num local de oração. Ao lado de um ponto do muro onde se lia, em inglês, a frase “Liberte a Palestina”, Francisco inclinou-se, tocou o concreto com a mão direita e encostou sua testa no maior símbolo do conflito que já dura 47 anos – guerra  que, pouco antes, ele classificara de “cada vez mais inaceitável”. No mesmo dia, Francisco convidou os presidentes israelense, Shimon Peres, e palestino, Mahmoud Abbas, para que se reúnam no Vaticano – e rezem juntos pela paz. A iniciativa é a mais direta intervenção papal numa questão política desde os esforços de João Paulo II contra o comunismo em sua terra natal, a Polônia.
"Que ninguém abuse do nome de Deus por meio da violência"
Papa Francisco, durante visita de três dias ao Oriente Médio
Francisco seguiu em sua viagem de três dias pelo Oriente Médio. Na segunda-feira (26), em Israel, visitou o memorial Yad Vashem, em homenagem aos 6 milhões de judeus mortos no Holocausto. “Nunca mais, Senhor, nunca mais”, disse. Passou o dia acompanhado do rabino Abraham Skorka e do imã Omar Abboud, seus amigos. No Domo da Rocha, santuário sagrado do islamismo, afirmou: “Faço um apelo a todos os povos e comunidades que se miram em Abraão: respeitemos e amemos uns aos outros como irmãos e irmãs. Que ninguém abuse do nome de Deus por meio da violência”. No Muro das Lamentações, repetiu o gesto de João Paulo II e Bento XVI. Rezou por mais de um minuto e depositou entre suas pedras um papel com uma mensagem pela paz. As tensões do conflito entre Israel e palestinos voltaram ao roteiro papal. O premiê israelense, Benjamin Netanyahu, pediu que o papa visitasse o memorial às vítimas de terrorismo palestino no cemitério militar do Monte Herzl. Francisco ouviu de Netanyahu a descrição de um atentado que matou uma menina de 10 anos. Após um momento de silêncio, disse: “Neste lugar de profunda dor, quero dizer que o terrorismo é ruim, o caminho do terrorismo é fundamentalmente criminoso”.
Como já era esperado, todos ficaram impressionados com a visita – judeus, muçulmanos e os cristãos que viram o papa nos locais sagrados para o cristianismo. O que Francisco deixou a mais foi um compromisso, seu e dos anfitriões. Ele mostrou se importar com as questões mais delicadas do estado de guerra em que os dois povos da Terra Santa ainda se encontram e convidou seus representantes a compartilhar sua visão de mundo. Convidou a Terra Santa a viver em paz.

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